Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo/
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer/
Porque eu sou do tamanho do que vejo/
E não do tamanho da minha altura…
Fernando Pessoa.
Confesso sem pretensão alguma: a cada quatro anos, sinto-me qual Sísifo, personagem mitológico que tentara roubar o fogo de Zeus. O atrevimento, segundo a lenda, impunha que o protagonista, por castigo, deveria rolar, eternidade afora, a mesma pedra maldita que, a cada oportunidade de chegada ao topo, viria abaixo para tudo recomeçar. Esta é a quinta que vez repito o mesmo esforço: desenhar algumas sugestões para a próxima gestão cultural de “nossa” Prefeitura Municipal. Antes, devo dizer que não sou eleitor local, que pouco sei do candidato/a, e que estou ciente da fragilidade de minhas palavras. Escrevo, pois, mais por inspiração utópica do que propriamente para oferecer um projeto definido, ou algo próximo de factibilidades. É a vontade de colaborar que me guia, algo idílico como se despertasse de um poema mal dormido em gestões anteriores. Isso sabendo que alguém, como Mouzar Benedito, alertou que andamos num mundo “apoético, duro, ruim”. E, então, da crueza de nossa realidade, quebrando a conveniência contemplativa da alienação, esbocei uma quimera, sabedor de que sem isso, tudo fica ainda mais sem graça, mais rendido. Aliás, este “choque de realidade” é um bom começo para quantos dispõem comigo sonhar o significado da cultura, educação e turismo entre nós.
Monteiro Lobato sempre será uma referência literária de Taubaté
Cultura em Taubaté é campo movediço, difícil, cheio de donos aventureiros, e nessa quadra achar algum canto seguro capaz de angular viabilidades é o mesmo que vestir fantasmas. Faltam verbas, vontade política, empenho ativo da sociedade civil que pouco reclama, pouco propõe, pouco usa. Sobretudo, acima de todos os limites, carecemos de propostas inteligentes, e nela de instruções e profissionalismo gerencial. Assim, de saída, firamos o alvo: temos um patrimônio bom, próximo do excelente, em contraste pleno com uma desejável política integrada, de exploração cultural e turismo. Sobram bobagens e soberba que, aliás, essas ocupam lugar de visões modernas, menos passivas e domésticas. Cultura, em termos administrativos, é (ou pode ser) uma alternativa sustentável, motivo de prática turística sustentável, exercício da cidadania, além de polo ativador de opinião pública. Suponhamos então uma clave imaginária redentora da miséria que ostentamos com miquelina satisfação.
E começaria pela proposta de um calendário de celebrações articuladas. Para tanto, seria virtuoso estabelecer critérios técnicos e, assim, combinar três elementos que se retroalimentam: tradição, reverência cidadã e espaços físicos. Sim, pensar datas e atribuir-lhes significados dinâmicos, reelaborar práticas consagradas e estabelecer espaços de memória é estratégia esperta. Por lógico, pensa-se sempre na condição crítica, atualizada e em diálogo com modelos atualizados e amplos, pois afinal, não somos uma ilha e a cultura local deve buscar participações gerais. Nesse sentido, nossos espaços de cultura se constituem plataformas para olhares mais conectados. Então, quais seriam, além das oficiais, as efemérides cabíveis? Apostemos em algumas possibilidades que podem ser calibradas:
1- Semana Monteiro Lobato;
2- Dia da música caipira;
3- Dia do Padroeiro, São Francisco das Chagas e,
4- Aniversário da cidade, 5 de dezembro.
Nosso músico trovador Renato Teixeira, de Taubaté para o mundo
Como critério de continuidade no diálogo de formação cidadã atuante, tal sequência comemorativa atravessa o espírito da proposta pensada a partir da cultura em nossa cidade. Isso tomando a razão cultural e suas expressões como: lócus de criação e produção de conhecimentos; formulação de ambiente de diálogo com outros equipamentos culturais correlatos, disponibilidade de acesso público e integração em programas mais amplos com ramificação nacional. Exploremos as alternativas indicadas:
CALENDÁRIO:
1- Semana Monteiro Lobato: tendo a literatura (para crianças e adultos) como ponto de partida, instituições da sociedade civil e centros de estudos (escola diversas, universidades, clubes de serviço e setor empresarial) seriam convidados a integrar programas elaborados por comissões executoras estabelecidas e patrocinadas pela Prefeitura Municipal, a fim de favorecer: círculos de leitura e produção de textos; exibições de artes variadas e, sobretudo, certames de análise crítica da obra de Lobato. Neste quesito, deve merecer destaque o estabelecimento premiações categorizadas para: estudantes de vários níveis, para a sociedade em geral e com ênfase a dotação de um Prêmio Nacional sobre a crítica da obra lobateana.
Além disso, distribuídas ao longo de uma semana, seriam buscadas aberturas para debates atualizados e problematizadores da obra do escritor. A Prefeitura Municipal, por meio de seus equipamentos existentes (museus, salas de apresentações e escolas), assumiria o compromisso de elaborar comissões específicas destinadas a dar dimensão a uma Semana vibrante, capaz de tirar essa celebração do lamentável vazio atual. O enfretamento de dilemas nacionais como: racismo, meio ambiente, condição de gênero, vida do campo, seriam alguns temas motivadores de fundamentação crítica a partir da obra de Lobato.
2- Dia da Música Caipira: a data oficial consagrada em nível nacional, 13 de julho, deve ser estrategicamente capitalizada por Taubaté, que ostenta nítida vocação para se tornar referência regional e até nacional. Com a criação de uma comissão específica, seriam valorizadas expressões locais e regionais, posto termos excelente estoque de manifestações do cancioneiro sertanejo. Sob uma programação propositiva, buscaríamos valorizar os compositores, intérpretes e musicistas locais, tendo como objetivo a centralização dessa atividade ampla, em Taubaté. Em nível mais ambicioso, esse esforço objetivaria transformar nossa cidade em uma espécie de Polo Musical Caipira. Seria ainda desejável que esse eventual Polo Musical se mantivesse vinculado a um órgão municipal definido (cultura, educação ou turismo). Como destaque desta alternativa seria criado um Prêmio Renato Teixeira, destinado a duas categorias: composição e interpretação de músicas sertanejas. Além disso, na data prevista, seria apresentado um festival público aberto à participação da população em uma série de shows.
3- Dia do Padroeiro, 4 de outubro, dia de São Francisco, data assinalada como feriado local, deveria trocar essa condição por uma festividade ativadora, de movimento do comércio e das atividades locais. Uma Feira de produtos locais, distribuída por bairros daria vida à divulgação de artigos do variado artesanato e da culinária local. Com a definição de espaços qualificados, seriam motivadas atividades capazes de destacar produtos e artesanato como: das figuras de barro, o crochê, pintores e escultores da cidade – ou de quantos, no espaço taubateano, exercem sua arte. A descentralização das atividades por bairros marcaria o objetivo caracterizador desta celebração que deve revelar valores e expressões locais, dos espaços de suas atividades;
4- Dia da cidade: o 5 de dezembro, também, em vez de ser considerado feriado local, em favor da ativação da economia urbana (que deve permanecer ativa e motivada para os festejos de fim de ano), sugere-se destaque especial para mostra do que de melhor a cidade possui tanto no setor da cultura como da produção agroindustrial. Para tanto, imagina-se uma grande e expressiva Feira agroindustrial e de cultura, manifestação capaz de dignificar a produção e o turismo local, além de atrair visitantes e investidores. A colaboração da extensa rede de indústrias e empresas estabelecidas na cidade poderia sustentar atividades que implicariam: realização de torneios esportivos e demais manifestações, discussão de negócios, isso em atividades contidas em um de nossos grandes parques ou espaços públicos (lócus da Feira). Uma comissão composta por nomes representativos da indústria, do campo e da cultura local, além de representantes de clubes de serviços, deve ser estabelecida como mecanismo de atração de capitais para a articulação e execução desta atividade que deve, além de agregar o público local, promover nossa visibilidade em escala nacional.
REVERÊNCIA CIDADÃ
Taubaté poderia valorizar de maneira minimamente criativa e dinâmica, justa e digna, figuras que exerceram atividades relevantes e projetaram a cidade. Temos muitos talentos reconhecidos fora de nosso espaço, gente que, contudo, mereceria mais atenção, e, assim, na chave da Prata da Casa. Artistas pouco considerados, ou que carecem de maior lustro, como: Alda Garrido, Clodomiro Amazonas, Georgina de Albuquerque, Hebe Camargo, Tony e Cely Campello, Cid Moreira bem como tipos populares como as artesãs Carolina, Cândia, artistas plásticos como Anderson Fabiano, Demétrio, mestre Justino, Regis Machado, entre outros, poderiam ser homenageados no Dia da cidade. Por certo, o apadrinhamento do taubateano mais conhecido, Renato Teixeira, seria de extrema conveniência como mote para outras homenagens. Seminários, simpósios, certames, exposições e grupos de estudos poderiam animar reverências que merecem ser ampliadas e distribuídas em abordagens que os justificam.
Na mesma linha, supõem-se que a apresentações de resultados de escolas ou empreendimentos de ensino (ensino profissional, de nível médio e universidades) poderiam compor um plantel de apresentações dos próprios resultados. Inscreve-se nessa linha a possibilidade de se pensar em Taubaté com projeção de cidade universitária. A data suposta para tanto seria o 5 de dezembro.
Fernando Pessoa: a visão do mundo a partir de uma aldeia
ESPACOS FÍSICOS
Chega a ser simplório o tratamento dado aos nossos lugares oficializados como lócus de memória. O estado dos nossos museus, bem como as verbas destinadas à sua manutenção e melhoria, em particular no âmbito de responsabilidade do Município, é vergonhoso. Ainda que em situação melhor, os museus particulares se apresentem com alguma dignidade representativa (Museu de Arte Sacra e Museu de História Natural), os demais atestam o descuidado, o simplismo amadorístico de suas atividades e gestão, e isso comprova a falta de visão das autoridades. Legados aos cuidados de pessoas de boa vontade, mas despreparadas para exercício técnico, o que se tem é atestado do conformismo intelectual que resulta no conjunto de museus pesando de maneira insatisfatória no orçamento municipal. Isso sem contar a falta de entusiasmo que leva a população a não ter qualquer entusiasmo por tais logradouros. Em complemento, a decepção de quem vem de fora, atraído para esses centros não esconde decepções.
POR FIM…
Abri esta reflexão evocando Pessoa no verso que indica a visão do mundo a partir de uma aldeia. É com esta ideia que fecho este texto que, na melhor aspiração, pode servir de pretexto para qualquer debate capaz de nos fazer contemplar melhor o que é cultura a partir do olhar taubateano. O envolvimento da população nestas questões é desejável e cabe à Prefeitura eleita ativar tais trocas. A formação de um grupo de estudos constituído por técnicos, estudiosos e especialistas em espaço urbano e uso da cidade deve ser plataforma alcançável que, no espaço de um ano favoreça a elaboração de um Plano Diretor Cultural alinhado com um projeto de governo municipal que comece revitalizado pela crítica, virando a página de uma realidade diferente da que temos. Enfim, na fluidez do sonho, o meu está sonhado… E não deixo de supor que Sísifo pode ter a clemência do castigo atrevido.