A carioca que deu um toco em Alain Delon
O empresário Paulo Marinho, testemunha ocular, foi quem me contou essa história, uma fábula moderna que como as antigas tem um ensinamento profundo. A moral desta fábula pode ser resumida com uma frase de camiseta: a vida é dura. Não é fácil nem para o Alain Delon, que nos deixou ontem, o homem mais bonito do mundo
Em fevereiro de 1978, o ator francês, então com 42 anos, mais lindo do que nunca, dançava “Je t’aime … moi non plus” na pista da boate Regine’s, no hotel Méridien, no Leme. Sua companheira na coreografia, os dois abraçadinhos como exigia o ritmo da balada safadinha, cheia de sussurros, era a modelo carioca Fernanda Bruni, morena, 23 anos, que acabara de lhe ser apresentada pelo colunista social Zózimo Barrozo do Amaral. Todas as mulheres em volta tentavam fisgar Delon, mas ele só tinha olhos e todo o resto para Fernanda. Uma dezena de andares acima, dormitava inocente a mulher do artista, a atriz Mireille Darc.
Por volta da meia-noite, Paulo Marinho anunciou que estava indo embora e o ator perguntou discretamente se não podia convidar a moça para um drinque no apartamento do empresário. Foram todos. Marinho ensinou Delon a usar o bar, deu boa noite e foi dormir. Às duas da madruga, no entanto, batem à porta do quarto. Era Delon. Tinha um ar abatido, désolé, bem diferente do orgulhoso protótipo do hétero-macho-civilizado que exibia no cinema.
“Me ajuda”, balbuciou, “ela não quer transar comigo.”
É aí que a fábula se mistura neste texto às dicas de autoajuda e Alain Delon serve aqui para aliviar o sofrimento da espécie masculina em geral. Não importa se com grana, se espadaúdos, com olhos cor de ardósia, com uma passagem até Nova York para oferecer em troca – todos temos um enorme currículo de fracassos amorosos.
O homem mais bonito estava, duas da madrugada, pedindo socorro como um rato em pânico. Diante da possibilidade iminente de ser como todos os outros demais mortais, provava o gosto amargo do toco. Paulo Marinho foi compreensivo, mas precisava dormir, e apelou para a objetividade elegante naquela hora tardia:
“Você é o Alain Delon”, argumentou, “e quer que eu resolva o problema?! Se ela não quer dar pra você, quem sou pra fazer ela mudar de opinião?!
O ator insistiu. Tinha investido a noite inteira na conquista, seu currículo não podia ostentar tamanho insucesso. Precisava marcar a morena na coronha do revólver. Marinho foi falar com Fernanda.
Fernanda Bruni quando jovem
“Querida”, iniciou em tom de súplica. “Você está aqui com o Alain Delon, todas as mulheres do planeta gostariam de viver este momento. Pelo amor de Deus, vê o que você pode fazer, eu preciso descansar.”
Fernanda Bruni levou Delon de volta à mesa de negociações, o sofá de frente para o mar idílico de Copacabana. Disse que sim, ok, você venceu, mas antes precisava ir ao banheiro. De fato, ela até foi na direção do mesmo, mas já com a bolsa a tiracolo. No meio do caminho, pegou um atalho, a porta da saída, e byebye, meu francês. Estava apaixonada por um carioca, era-lhe fiel – e, resoluta, deixou o mais bonito do mundo no sofá, sofrendo as mesmas dores do abandono, da rejeição, esses boleros tão conhecidos por todos nós, os homens comuns.