Havia pautado escrever sobre o 10 de setembro “dia mundial de combate ao suicídio”. Juntei dados, reli parte dos textos de Camus e Durkheim, e estava pronto para enfrentar a tarefa. Desde logo, porém, se me abateu um dilema, pois tivemos um agosto tão penoso, tão trágico em acontecimentos em todos os níveis da vida (pessoal e coletiva), valeria a pena desbotar a esperança emblemada pelo mês de setembro? Setembro foi saudado em seu primeiro dia como tempo de promissão, carregador da primavera regeneradora. Enquanto alentava tais ambiguidades, nutria um sentimento suportável. Tudo mudou, muito, com os acontecimentos alarmados pelo espanto do incêndio do Museu Nacional, no belo espaço imperial no Campo de São Cristóvão no Rio de Janeiro.
O choque das cenas transmitidas ao vivo, no começo da noite de domingo, desolou o país e nos fizeram pensar. Pronto, estava definido o novo mote da crônica. Por onde começar, contudo, foi minha dúvida decorrente. Parei por um momento e logo me veio o primeiro passeio que fiz àquele lugar encantado. Houve até uma trilha sonora musicada pelo querido Renato Teixeira, que historia a primeira viagem feita por um menino interiorano à Cidade Maravilhosa. Deixe-me então dizer como foi a minha estreia no Museu Nacional.
Sou de uma família libanesa que cabe perfeitamente no estereótipo do turco do mercado. Quem me conhece sabe que, chorão, sequer consigo enunciar a canção (também do Renato Teixeira) sobre o comerciante que tinha loja e se fez tema de pequena epopeia. Pois é, minha mãe, mulher muito trabalhadora, nutria algumas veleidades que seriam estranhas às “turcas”: gostava de nos levar de férias, uma vez por ano, a lugares frequentados pela classe média abastada. E era uma festa completa, pois nossas modestas roupas eram renovadas, havia preparo premeditado, e assim alternavam-se os lugares: um ano estação de águas (São Lourenço, Poços de Caldas, Caxambu), outro Rio de Janeiro. Foi dessa forma que me introduzi no mundo do turismo, e na então capital federal ia aos cartões postais.
Mestre Sebe ficou deslumbrado diante daquele monumento histórico
O curioso é que mamãe incluía Museus em seus roteiros. Foi assim que em 1953 pela primeira vez fui ao Museu Nacional. E não há como me esquecer do prédio magnífico. Com nitidez recordo-me de que avisado que ia a um palácio, supus um castelo com torres pontiagudas e protegido por pontes e rios circundantes. Acho que minha primeira lição nesse processo inicial foi exatamente saber que palácio era onde vivera parte da nossa corte, e castelo seria fortaleza diferente. Esta lição não foi um detalhe. Por lógico, fiquei impressionadíssimo com os esqueletos monumentais colocados desde a entrada principal e lembro-me do espanto ao ver a tal múmia (que aliás nunca permanece muito tempo fora de minhas cenas infantis), mas, de verdade, o que me fascinou foi saber que a Família Real tinha vivido naquele local. Por aqueles dias, o trono imperial ainda estava lá e fazia parte da reconstrução do ambiente. Isto significou momento decisivo na escolha de minha vocação de historiador.
Ao longo de décadas o Museu Nacional foi se fazendo instituição de respeito. Não foram poucos os projetos que verticalizaram a tendência inicial, desde que se optou por transformar o palácio para ser o Museu de História Natural. A aparente inconformidade era dada pela coleção de objetos antigos reunida por diferentes membros da Família Real. Dona Leopoldina trouxe como presente afrescos de Pompeia, raridade maravilhosa. Dom Pedro II comprou peças egípcias preciosas, e assim a coleção se compunha com série de aves, animais empalhados, mas também com esqueletos e moveis reais.
Já formado professor de História, fiz pesquisa na Biblioteca do Museu Nacional e me lembro da emoção ao ver os escritos do antropólogo incrível, alemão, que mudou seu nome para Imuendajú. Ao ver alguns desenhos dos viajantes do século XIX me perguntava sobre a falta de divulgação de tantas coleções. E diria o mesmo das telas monumentais que precisavam de conhecimento. Aproveitei todas as oportunidades de visita ao espaço e creio que não passava um ano, enquanto morava no Brasil, em que não ia àquele local. Cheguei mesmo a ver dois ou três concertos de música nos gramados do entorno e me vali de várias conferências oferecidas no Curso de Antropologia, um dos melhores do Brasil.
Esta tragédia se explica pelo desprezo à História
Por lógico, não bastariam lembranças pessoais para resenhar o significado do incêndio de 2 de setembro. Nem mesmo minhas impressões de profissional da História. O que vale mesmo é pensar que esta tragédia se explica pelo desprezo à História e falo da disciplina História… Não basta achar culpados. A discussão precisa sair do plano discursivo para a política. Meu único recado nessa meditação remete ao desafio de ver com zelo e apuro os programas dos candidatos que concorrem às próximas eleições. Notar que existem pautas que pensam que, da parca verba aprovada, devem ser destinados montantes maiores para o ensino básico é um erro imperdoável. Por evidente, muito precisa ser empregado no nível elementar, mas jamais pode-se tirar de outros estágios comunicantes. É tudo junto, reunido, misturado, circulado.
Vejamos bem o alerta dado pela fatalidade. Não é tirando de um nível e pondo em outro que se teria resultado. Seria penosa e sem efeito uma longa espera para daqui a 15 anos. A única lição que se pode tirar é que precisamos de mais atenção ao ensino/educação como um todo. Tudo pela cultura em todos os estratos sociais, pois só assim valeria chorar pelas lições do Museu Nacional. Pensemos a política como saída. Leiamos os projetos dos candidatos.