‘Quem protesta contra os nazistas não é de esquerda, mas normal’, diz cartaz reproduzido em vídeo da embaixada alemã no Brasil
Apesar de Jair Bolsonaro declarar “não ter dúvidas” de que o nazismo é de esquerda, a História e estudiosos da ideologia que marcou o Terceiro Reich da Alemanha contradizem o presidente do Brasil. O debate voltou à tona nesta semana depois que o chanceler Ernesto Araújo disse que, em sua avaliação, o nazismo era de esquerda – opinião corroborada por Bolsonaro, em Israel.
Uma das justificativas para o presidente está no nome do partido de Adolf Hitler. “Não há dúvida (que o nazismo foi de esquerda). Partido Socialista…como é que é? Partido Nacional-Socialista da Alemanha”, disse Bolsonaro. Já o chanceler disse em entrevista ao canal Brasil Paralelo, do Youtube, que o nazismo e o fascismo são resultados de “fenômenos de esquerda”. Segundo Araújo, regimes totalitários distorceram o sentimento de nacionalismo, o que, para ele, seria uma tática da esquerda.
Com discurso contra o “sistema”, Hitler conquistou amplo apoio popular
As declarações vão de encontro ao que o Museu do Holocausto, visitado por Bolsonaro, diz em seu site: que o Partido Nazista da Alemanha era um entre vários “grupos radicais de direita”. Para o historiador Marcos Guterman, o nazismo não pode ser qualificado como de esquerda em nenhuma circunstância. “Não tem nada a ver com o socialismo marxista. Tem a ver com o sentido da totalidade da sociedade alemã”, afirmou ele.
Para ele, a argumentação de que o nazismo é de esquerda é insustentável e tem um único objetivo: mobilizar a militância. “Ele está respondendo a um pensamento do eleitor.” Em entrevista à Deustche Welle no ano passado, o embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, chegou a afirmar que essa discussão “não tinha base honesta”.
O nazismo foi uma corrente política alemã que surgiu na esteira da ascensão do fascismo na Europa. Fundamentou o Estado totalitário de Adolf Hitler. Assim como o fascismo, se caracterizou pelo nacionalismo, o autoritarismo e o anticomunismo. Como mostrou o Estado, o historiador Uzi Rabi, da Universidade de Tel-Aviv, ao ter contato com as declarações de Bolsonaro, demorou para entender a linha de raciocínio do presidente. “Eu nunca ouvi isto antes. Não sei do que eles estão falando.”
Holocausto: Hitler determinou o extermínio de judeus, comunistas, homossexuais…
Veja aqui seis livros que desmentem Bolsonaro e mostram que nazismo não é de esquerda. A embaixada alemã no Brasil publicou no ano passado um vídeo em sua conta oficial no Twitter em que afirma que alemães “não escondem seu passado”. Com imagens de arquivo, o vídeo expõe:
“O pensamento é: ‘conhecer e preservar a história para não repeti-la’. Na Alemanha, é crime: negar o Holocausto, exibir símbolos nazistas, fazer a saudação ‘Heil Hitler’. E quando o extremismo de direita volta a acontecer no país?” A embaixada coloca no vídeo uma imagem de um protesto antinazista onde é possível ler um cartaz com a mensagem: ‘Quem protesta contra os nazistas não é de esquerda, mas normal’.“
No Brasil, o extinto Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão de repressão política e social ativo durante a ditadura, classificou o nazismo como um extremismo da direita. “Vigilantes estamos para todas as formas de extremismo aqui alimentadas, sejam da esquerda, como o comunismo, sejam da direita, como o fascismo e o nazismo”, apontou o órgão em nota registrada nos arquivos do Acervo Estadão, datada de 27 de julho de 1949.
Como publicou o Estado, o brasileiro Avraham Milgram, que trabalhou como pesquisador do Museu do Holocausto, atribui a declaração de Bolsonaro à política brasileira. “Esta teoria não tem base histórica nenhuma. Acho que tem mais a ver com o presente do que com o passado. É uma ignorância, mas que talvez seja uma reação ao fato de a esquerda ter ligado Bolsonaro a Hitler.”
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NR: O historiador Marcos Guterman indica 6 livros para entender o nazismo no momento em que o presidente Jair Bolsonaro diz, em visita a Israel, que “não há dúvida” de que o nazismo foi um movimento de esquerda
Hitler, de Ian Kershaw
Monumental biografia de Adolf Hitler publicada no Brasil em 2010 pela Companhia das Letras. O autor se debruça sobre a trajetória de uma pessoa que parecia destinada ao fracasso e que acabou comandando um dos países mais desenvolvidos, cultos e complexos da Europa. E tenta encontrar uma explicação para trajetória ascendente, para o domínio que Hitler exerceu sobre as elites alemãs e para a catástrofe que causou em seu país e no resto do mundo.
A trilogia do Richard Evans sobre o Terceiro Reich
A obra de Richard Evans, um dos mais importantes estudiosos da história alemã, sobre o nazismo é dividida em três volumes: A chegada do Terceiro Reich, Terceiro Reich no Poder e Terceiro Reich em Guerra. Juntos, eles ajudam a compreender uma das épocas mais obscuras da História. Os livros foram publicados no Brasil pelo selo Crítica, da Editora Planeta.
Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt
Neste livro clássico, presente nas livrarias brasileiras em edição de bolso da Companhia das Letras, Hannah Arendt elucida o crescimento do antissemitismo na Europa Central e Ocidental nos anos 1800, analisa imperialismo colonial europeu desde 1884 até a deflagração da Primeira Guerra Mundial e discute as instituições e operações desses movimentos, centrando-se nos dois principais regimes totalitários da nossa era: a Alemanha nazista e a Rússia stalinista.
Capa do livro de Hannah Arendt, Companhia das Letras
Os Alemães, de Norbert Elias
O autor analisa o desenvolvimento social da Alemanha a partir do século 17, investiga a personalidade, a estrutura social e o comportamento do povo alemão, lançando nova luz sobre a subida dos nazistas ao poder e sobre o Holocausto. O livro foi publicado aqui pela Zahar.