É visível o abatimento de Bolsonaro diante da prisão de Queiroz
É antigo o ditado segundo o qual a história se repete – a 1ª vez como farsa, a 2ª como tragédia. Sobretudo quando a história envolve o mesmo personagem. O tipo que comete um erro, não aprende, e comete o mesmo erro de novo, só que numa escala muito maior.
É o caso do presidente Jair Bolsonaro, que, depois de encenar a sua farsa, na qual o único prejudicado foi ele mesmo, repete a própria história, desta vez como tragédia –porque as consequências recaem sobre todo o povo brasileiro.
Trinta anos atrás, Bolsonaro teve a ideia desastrada de intimidar generais, divulgando à imprensa um plano para obter o aumento do soldo, que implicava em explodir bombas em quartéis.
Bolsonaro fez o croqui para a ação contra quarteis do EB em outubro de 1987
Acabou sendo afastado das Forças Armadas, numa decisão salomônica. Os militares se livraram daquele filho indigesto, mas, para não manchar demais a própria instituição, ou evitar que outros rebeldes viessem em sua defesa, deixaram Bolsonaro livre, preservando, inclusive, a patente de capitão.
Deixaram de punir exemplarmente o rebelde. Foi a farsa. Bolsonaro entrou para a política, elegendo-se graças ao eleitorado radical, que só olha para o crime, ou para a impunidade, quando ela está do outro lado. De um problema para o Exército, passou a ser um incômodo nacional.
A história se repete: agora está na mão dos militares, novamente, o que fazer com Bolsonaro. E a farsa, desta vez, não enganaria ninguém. Nem as estátuas de Brasília ficam hoje indiferentes aos detalhes dos negócios familiares do presidente, que vêm à tona com clareza cada vez maior.
É estarrecedora, pela imprevidência e gravidade, a proximidade de Bolsonaro com o chamado Capitão Adriano. O miliciano suspeito de matar Marielle Franco, e que, como agora se sabe, punha dinheiro vivo na conta do amigo comum a ambos, Fabrício Queiroz, tinha até o mesmo advogado que o presidente e seu assecla. É evidente que está bem longe de ser acaso Adriano empregar a ex-mulher e a mãe no gabinete do filho do presidente, Flávio, na Alerj, por meio de Queiroz.
Queiroz no momento da prisão: mesmo advogado do presidente
A Justiça tem o seu tempo para o ritual das provas e processos, mas hoje só não enxerga a realidade quem não quer. O gabinete de Flávio, que ainda corre o risco de levar a bronca sozinho, era uma roleta de dinheiro vivo, que lembrava mais o quartel general de um mafioso. Mas seu pai, o presidente, como os antecessores que condenava pelos mínimos deslizes de comportamento, faz de conta que agora não enxerga problema algum.
Como deputado, e agora presidente, Bolsonaro é o mesmo capitão encrenqueiro e encrencado de sempre. Assim como ocorreu no episódio das bombas, em que foi surpreendido pela revelação de seu nome, numa quebra de sigilo da fonte pela revista Veja, dessa vez ele foi igualmente surpreendido. Pela vitória. Provavelmente, no início, nem ele mesmo esperava ganhar. Ao se tornar presidente, para seu azar, passou a ser, como todos os presidentes, alvo dos holofotes.
Para piorar as coisas, em vez de optar pela discrição, fiel ao próprio estilo, ele entrou no governo batendo em todos os vespeiros. Aí está o resultado.
No fim, ao se ver como funcionavam as coisas na cozinha de casa, o discurso moralista de Bolsonaro –contra a corrupção, os bandidos e os políticos–, volta-se contra ele mesmo. Perdeu, no governo, toda a credibilidade. E as bombas com que ele ameaça a sociedade não passam de rabiscos no papel.
Bolsonaro vendeu a ideia de que era a solução para o país, mas ele é uma parte do problema. Está no centro da propagação da intolerância, que só serve para proteger interesses sob o manto da política e acobertar negócios e crimes que envergonham o país.
Wassef, amigo e advogado de Bolsonaro, dono do sítio onde Queiroz foi preso
Os militares que se encontram na cúpula do Planalto têm conversado, segundo se lê na imprensa, sobre a criação de um “ministério de notáveis”. Seria um jeito de colocar Bolsonaro no banco de trás de seu governo, de forma a restaurar, nesta gestão, a autoridade.
Ocorre que Bolsonaro não quer e não sabe ficar quieto. É orgulhoso demais e, historicamente, um insubordinado contumaz.
Para completar, contra a ideia dos militares, está o fato de que não deve haver um notável sequer no Brasil que queira ser notado ao lado desse presidente radioativo, que envenena e depois descarta quem está por perto, ganhando uma mancha no currículo.
Segundo outro velho ditado: quem pariu Mateus, que o embale. Os militares estão agora abraçados ao Centrão, o comando das velhacarias de sempre, como último ponto de apoio ao presidente. Mas não podem simplesmente retirar-se do Palácio, deixando o presidente a falar sozinho. Depende deles dizer a Bolsonaro o que fazer, com todo esse lixo saindo debaixo do tapete e consigo mesmo.