Nas horas de grande aflição, nos momentos em que acho que é preciso dar uma parada nas coisas, de respirar um pouco senão posso estourar, para esses instantes eu tenho uma saída cultivada nas repetições: leio poemas. E tenho até um cantinho entre os livros onde situo esses textos que tanto me aliviam e me refazem. Aliás, mesmo quando tudo está bem, até quando as coisas estão em ordem, por medida de segurança olho para os tais livros e dou uma carinhosa piscadinha para eles.
Amigos certos das horas incertas, os poemas são como bálsamos, algo como beijo terno de mãe afetuosa. E não pensem que eles não sabem disso. Ah! …espertos que são, garanto que têm plena consciência de suas funções. Silentes, guardam em páginas tranquilas os segredos que me aliviam. A prova que tenho para tal afirmativa baseia-se no simples fato de, muitas vezes, pegar um desses tomos ao acaso, e também sem direção abrir na página certa. Pumba!… Sempre logro sorte. Sempre! Prova?
Aconteceu esta semana. Andava atordoado com o excesso de trabalho, coisas de fim de semestre de professor: aulas para preparar, relatórios para preenchimento, leitura de teses, textos por terminar, enfim, aquele Deus nos acuda. Pressionado ao máximo, sem dormir direito por noites seguidas, bateu aquele cansaço. A piorar tudo, nesses casos, sempre me recrimino achando que sou eu o culpado, que devia saber dizer não a convites, que podia ser mais organizado com o controle das agendas e até cuidar melhor de minha saúde.
Engraçado, não? Mesmo trabalhando tanto, ainda consigo achar que devia fazer mais, ou que estou errado. O corpo padece e reclama. A mente também. Estava nessas agruras quando me lembrei dos queridos livros de poesia. Comedido, porém, não os assaltei. Com medida cerimônia, parei o texto em curso, dei folga para o computador, dispensei papéis anotados, e antes de iniciar o ritual da leitura acendi o abajur, preparei uma taça de vinho nobre.
Vinho e poesia, à meia luz, na solitude da casa. Munido desse aparato, fui até o encantado lugar e puxei da estante, sem escolha alguma, um volume. A linda capa azul do “Sapato Florido” de Mario Quintana caiu-me às mãos como uma luva mágica. De repente, cabendo com perfeição em minhas mãos, abri ao acaso as páginas do delicado conjunto de pequenos poemas, e eis que leio:
“Não, o melhor é não falares/ não explicares coisa alguma/ Tudo agora está suspenso. Nada aguenta mais nada/ E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes/ o que é que derruba um castelo de cartas/ Não se sabe…/ Umas vezes passa uma avalanche/ e não morre uma mosca…/ Outras vezes senta uma mosca/ e desaba uma cidade”.
Nossa, pensei!… Será que o vinho fizera efeito logo depois dos primeiros goles? Poderia ser, pois afinal era noite funda e eu estava em entre o estado de torpor e o encantamento. Pensei um pouco nas palavras do poeta (quase escrevi “do filósofo”) e abri em outro poema. Sabe o que li? Veja o poema Epílogo “A mosca, a debater-se: “Não! Deus não existe! / Somente o Acaso rege a terrena existência”/ A Aranha: “Glória a Ti, Divina Providência, Que à minha humilde teia essa mosca atraíste!“.
Pronto, estava curado. Paciência e compreensão da fatalidade do acaso. Mas quem disse que tinha força para parar? Virei páginas e eis que encontro outro elixir; em Emergência diz Quintana: “Quem faz um poema abre uma janela/ Respira, tu que estás numa cela abafada/ esse ar que entra por ela/ Por isso é que os poemas têm ritmo/ para que possas profundamente respirar/ Quem faz um poema salva um afogado”.
Mais vinho, pelo menos mais um gole para, sem necessidade de leitura declamar para mim mesmo o meu verso preferido, o Poeminho do Contra “Todos esses que aí estão/ atravancando meu caminho/ Eles passarão… Eu passarinho!”.
Olhei de volta para o livro, fechei as páginas como o passarinho fecha as assas, tomei mais um gole de vinho e… dormi feliz. Feliz como o passarinho…
José Carlos Sebe Bom Meihy (jcarlosbm@hotmail.com)