Meu santinho querido, resolvi colocar no papel estas mal traçadas linhas

Ando muito triste com meu país tão carente de milagres. Até parece castigo, mas o povo ainda passa por penúrias. Lembrei-me que desde menino minha mãe me colocava na fila para, no seu dia pegar o famoso “Pão de Santo Antônio”. Eu ia meio chateado porque achava injusto celebrar a data de sua morte, dia 13 de junho, e não de seu nascimento, 15 de agosto. Festa é quando a gente nasce, não quando morre.

Lembro-me também que o pão dado aos pobres curava doenças e tão forte era sua força que, dizem, uma vez eram tantos os mendigos que o senhor surrupiou o pão dos confrades e quando veio a bronca mandou-os verificar melhor e as cestas estavam abarrotadas de pão quentinho. Acho essa história um barato.

Contam que há um sentimento chamado “mágoa de Santo Antônio” e reza a lenda (desculpe dizer “reza a lenda”, sei que lenda não é reza) enfim, diz a tradição (melhor assim, né?!), que o senhor primeiro quis ser agostiniano e fez formação no mosteiro dessa Ordem, mas, insatisfeito com o mundo contemplativo resolveu mudar e se tornou companheiro de São Francisco que saía abraçando o povo. Nossa, achei lindo isso e até penso nos políticos que falam, falam, e que bem poderiam mudar, sair pelo mundo.

E por falar em sermões, sabe que me comovo até hoje com o “Sermão aos peixes”. Pois é, diz a lenda (aiaiai, eu com as lendas novamente), corrigindo, diz a história que certa feita o senhor foi pregar para uma multidão, mas, como não lhe deram atenção, o senhor foi até a beira do rio e pregou aos peixes que aos milhares se puseram a escutá-lo. Poderoso. Sabe, sou professor e sempre me lembro desse caso ainda que os peixes que frequentam minhas aulas não atuem como os seus.

Desprezado pela multidão, pregou para os peixes

Contaram-me que o senhor, empenhado em converter os mulçumanos, foi para o Marrocos, e não se sentiu bem de saúde. Dizem ficou doente e que, mesmo contragosto, foi mandado de volta para sua Lisboa. Fico eufórico quando relatam que na viagem de retorno tanto o senhor rezou que uma tempestade desviou a nau e o deixou na Sicília onde então passou a arrastar multidões encantadas com suas pregações. Lindo isso, né?! Mas mais lindo acreditar que a força divina se fez vento para conduzi-lo onde seria mais útil.

Santo Antônio, fico bobo de ver o número de cidades sob sua patronagem. Nossa! Acho que tudo se deve a uma tradição mor, o fato do senhor ser “casamenteiro”. Curioso que sou, busquei informações e soube de várias raízes explicativas, e, desculpe-me, a que mais gostei (sem desprezar as demais) é daquela senhora que passando fome colocou a filha na prostituição e indignada a linda jovem rezou implorando um sinal que veio num bilhete escrito, endereçado a um rico comerciante. Dizia a cartinha que o tal moço deveria colocar a mensagem em um prato da balança e tantas moedas até equilibrar o outro. Desafiado, o moçoilo assim fez e foi adicionando mais e mais moedas até chegar a 400. Equilibrados os pratos entendeu que era sinal divino e pediu a moça em matrimônio. Lindinho este caso.

Padre Antônio Vieira lia o sermão com olhar crítico e vivo

Pois é, assim o senhor se tornou patrono dos padeiros, pedreiros, mulheres estéreis, estudantes com défice de aprendizado, das mães solteira, dos doentes do fígado, dos devedores, dos viajantes de navio e de tantas outras almas necessitadas que até me perturbo com sua ocupação. Há uma prática, porém que me atazana: o fato de lhe tirar o menino Jesus de seu colo chantageando-o para conseguir casamento. Como o senhor, tão poderoso, deixa isso acontecer? E tem mais, dizem que além de lhe roubar o Menino ainda o colocam de cabeça para baixo até aparecer um pretendente. Sabe, há casos ainda mais criminosos: o afogam com a cabeça na água. Isso é crime.

Mas minha carta tem um pedido a mais: ajuda o Brasil, estamos necessitando mudanças. Há ainda gente marginalizada, e seu bendito pão pode curar males já que o SUS não consegue melhorar seu atendimento; e nossos políticos precisam levar um sermão bendito, algo capaz de corrigir narrativas sempre alheias às instâncias públicas. Sua crença na mudança dos ventos bem que poderia propiciar nova rota para Brasília, e a tolerância haveria de abençoar o casamento da República com os Direitos humanos. E se não for pedir demais, dê uma forcinha para que nossas praias não sejam privatizadas. Amém.