O tombamento integral do Conjunto Vicentino conhecido como Casas Pias e suas áreas verdes foi uma vitória da sociedade civil organizada, principalmente do movimento Preserva Taubaté,
uma promessa cumprida pelos Ortiz – pai e filho – e o encerramento com chave de ouro da versão impressa do Jornal CONTATO, o único veículo da imprensa local que registrou as idas e vindas que marcaram essa luta


Há quase 10 anos Jornal CONTATO entrou na briga em defesa do conjunto vicentino conhecido Casas Pias – que chegou a abrigar mais de 100 idosos – como patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da terra de Lobato. Pressionado por empreiteiros interessados em construir e comercializar torres de apartamentos naquele local, a partir de 2005 o prefeito Roberto Peixoto deu sua contribuição quando autorizou a Vigilância Sanitária interditar o local e nada fez para recuperá-lo.

Assim agindo, Peixoto acendeu a luz verde para que as empreiteiras tomassem a iniciativa. Foi um escândalo devidamente registrado por CONTATO. Em 2007, o ex-prefeito Bernardo Ortiz, que já havia rompido com seu sucessor eleito com seu apoio, escandalizado com os fatos declarou: “Quando assumirmos a prefeitura [depois das eleições de 2008], vamos anular esse negócio e decretar o imóvel de utilidade pública”.

Seu filho Ortiz Júnior foi derrotado pelo próprio Peixoto, que se reelegeu. Foram quatro anos de vacas magras para a cidade enquanto o eleito e seus amigos se locupletaram com as estripulias praticadas no Palácio do Bom Conselho.

Nos quatro anos que se seguiram, Bernardo pai assumiu a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e seu filho Júnior assumiu informalmente o controle de parte da gestão desse órgão público. A Justiça Eleitoral condenou Ortiz Júnior em primeira e segunda instância acusado de fazer caixa para a campanha eleitoral de 2012, que o elegeria. O julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral pode ser concluído a qualquer momento com final ainda imprevisto, apesar de o placar apontar a vitória parcial do prefeito por dois votos a favor e um contra.

 

 

Ortiz Júnior cumpriu a promessa anunciada por seu pai em 2007. No dia 25 de março de 2013, menos de três meses após seu início de mandato, assinou o decreto 12.972 declarando a área onde se localiza a Casas Pias como de utilidade pública. O decreto, porém, tinha um pequeno enorme detalhe: caso a desapropriação na fosse realizada no prazo de cinco anos, o decreto caducaria.

A empreiteira Ergplan, que reivindica a propriedade da área, mobilizou todos os recursos jurídicos disponíveis para obter o direito de posse daquela área. Mais uma vez a sociedade organizada compromissada com a memória e história local, capitaneada pelo movimento Preserva Taubaté, entrou em cena, pressionou e conseguiu junto ao prefeito Ortiz Júnior que ele assinasse não só o tombamento da Casas Pias como também a da fachada da Fábrica Corozita, dos prédios do Tesourinho, da faculdade de Filosofia e da igrejinha de Santana.

Na quarta-feira, 16, após a notificação formal à empreiteira Ergplan, uma equipe de fiscais seguiu para a Casas Pias para exigir que sejam retirados os tapumes colocados pela empresa e que escondiam aquele patrimônio histórico da população.

Tudo indica que dessa vez a vitória é pra valer!

 

Um pouco dessa história

Em julho de 1908 a Casas Pias de Taubaté, batizada de Asilo de São Vicente de Paulo, abria suas portas para receber seus primeiros moradores – idosos e suas famílias – aos quais lhes dava abrigo e proteção. No dia 29 de janeiro de 2016, a juíza Fernanda Ambrogi, filha de tradicional família taubateana, assinou mandado de reintegração de posse desse patrimônio em favor da empreiteira Ergplan. O que mudou para que uma violência como essa pudesse acontecer?

CONTATO conta um pouco dessa história.

 

Memórias de dona Daysi Mariotto

Dona Daysi nasceu e reside em frente a Casas Pias, na rua 4 de Março, há 87 anos. Inconformada com o que acontece em frente sua residência, ela conta que frequentava a igreja desde quando ainda se encontrava na barriga de sua mãe. Essa é a razão da tristeza que lhe abateu quando ela viu na quarta-feira, 24 de fevereiro passado, um oficial da Justiça catalogando os objetos que se encontravam dentro da capela, registrou CONTATO na sua edição 721 no final de fevereiro de 2016.

“É como se estivesse enterrando um membro da família (já perdi um filho com 19 anos). Todos os vizinhos estavam acostumados a frequentar a capelinha. Ali eu fiz catecismo, dei curso de catecismo, fui Cruzada da Eucaristia, filha da Maria, cantei no coral quando se chamava Casas Pias de São Vicente de Paulo. As freiras Franciscanas Missionárias de Maria tomavam conta de tudo. Mas o Papa criou uma casa ao lado para abrigar as freiras mais idosas e elas deixaram a Casas Pias’.

 

Daysi Mariotto da Silva reside em frente a Casas Pias há quase 87 anos

 

A senhora sabe como começou o asilo? “Ele foi formado para as viúvas que vinham com os filhos. Onde é o refeitório havia dois poços de água e quatro tanques onde as viúvas lavavam roupa para fora para se sustentarem.’

A senhora conheceu esse casal da foto? “Sim. Eles se conheceram aqui e se apaixonaram’. (pela foto, o casal aparenta ter mais de 90 anos)

Quem doou esse terreno para ser Casas Pias? “Foram vários: a família Guisard, a mãe do Emílio Amadei Behrings e até um parente meu teria doado. O asilo chegou a abrigar mais de 100 internos’.

Hoje, o prédio encontra-se abandonado e o do Parque Paduan continua vazio.

 

Negócios suspeitos

Em julho de 2007, CONTATO publicou em sua edição 331: “Poder, religião e dinheiro. Esses ingredientes apimentam a polêmica história sobre a venda do terreno da Casas Pias de Taubaté, localizada à avenida 4 de Março, em uma das áreas mais valorizadas da cidade.

O presidente do Conselho Central de Taubaté da Sociedade São Vicente de Paulo, Alexandre Gonçalves Mendes, na quarta-feira, 22, confirmou a venda do imóvel, a área “já está vendida!”

Na quinta-feira, 23, Mendes divulgou uma nota à imprensa e declarou ter adquirido uma área de 20.000 m2, próxima a Rodoviária Nova, no bairro Parque Paduan, onde serão construídos 1.700 m2, com capacidade para 80 internos, no prazo estimado de 18 a 24 meses. O valor da transição e os nomes da imobiliária e do comprador não foram divulgados.

 

Dona Ivonne de Moura Alves (com a foto do pai), 87 anos, é a única herdeira de pelo menos 38 alqueires no Parque Paduan; ao longo dos anos suas terras têm sido griladas até mesmo por conhecida empreiteira da cidade

 

A nota divulgada é um conjunto de acusações para enigmáticas figuras e/ou entidades. O caso, segundo Mendes, “transformou-se em um assunto aparentemente polêmico, por conta de detratores vadios sem caráter, que, agindo sempre à sombra, protegidos pelo anonimato mas apodrecidos em suas entranhas, tentam conspurcar um trabalho sério (…)” Mais adiante: “E é exatamente isso que mais preocupa aqueles que nada fizeram enquanto podiam e deviam fazer, e que agora se contorcem na lama do ódio e da vingança, vomitando mentira e armando ciladas na calada da noite.”(sic)

Apesar do palavreado de gosto duvidoso, a nota informa que “a elaboração do projeto está a cargo de uma equipe composta por uma arquiteta e engenheiros, contratados especialmente para desenvolver e implantar instalações modernas, funcionais, práticas, aconchegantes, em harmonia com as normas da Vigilância Sanitária (…)

CONTATO apurou que a compradora teria sido a construtora ErgPlan. O proprietário da mesma foi procurado, mas não quis falar sobre o assunto’.

Em 2016 as novas instalações do que seria a nova Casas Pias continuam desocupadas porque a área onde elas foram construídas encontra-se em um inventário que ainda não foi concluído.

Será que o promotor e o juiz leram a crônica assinada por Augusto Satierf – Asilo Casas Pias, Mais um patrimônio ameaçado -, na edição 560 do CONTATO? No artigo o autor revela que “Os responsáveis pela esperta manobra (trocar o terreno da rua 4 de março por outro)não informaram, porém, que o terreno no Parque Paduan está sendo contestado na Justiça por um terceiro que afirma ser seu legítimo proprietário.

Os mesmos responsáveis omitiram ainda que parte do terreno das Casas Pias, na Avenida Quatro de Março, foi doado por Alberto Guisard com a finalidade de abrigar idosos. Além disso, o termo de doação possui uma cláusula expressa onde consta que aquele espaço não pode ser alienado, em nenhuma hipótese. Mas, decisão judicial recente deu ganho de causa à construtora, graças a um acordo orientado pelo Ministério Público.”

 

A área em amarelo pertence à família Moura desde 1898

 

Será que o promotor e o juiz que autorizaram esse estranho negócio não perceberam essa pequena enorme falha que prejudicou dezenas de idosos?

Quem será responsabilizado pelo abandono de dezenas de velhinhos?

Jornal CONTATO tem a honra de encerrar suas edições impressas com a vitória parcial conquistada pela sociedade civil organizada com o decreto de tombamento integral do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da terra de Lobato do asilo conhecido como Casas Pias. Mas o alerta continua. A Ergplan, mesmo notificada formalmente pela Prefeitura, ainda não retirou os tapumes que impedem a vista da Capelinha e dos jardins dessa preciosidade.

Para conhecer a história registrada por CONTATO desde 2003 com a reportagem sobre Maria Benedita da Conceição, abrigada na Casas Pias, que com seus 116 anos era a mulher mais velha do mundo, basta acessar o link: AQUI