Ao ouvir Não deixe pra amanhã o que pode deixar pra lá, o terceiro CD da compositora, atriz e cantora Khrystal, deparei-me com uma intérprete de voz viva, com aguçada poética nordestina, e pude imaginar que a sua musicalidade teatral amalgama seus predicados.

Aliás, a força nordestina está presente em outras mulheres, que como Khrystal cantam e compõem, deixando aflorar um forte sentimento de pertencimento geográfico. Desde há muito essa força vem se alastrando e rendendo cantoras admiráveis, como Maria Bethânia, Mona Gadelha e Margareth Menezes. Suas vozes sempre estiveram – e ainda estão – a serviço de todas as suas potencialidades, o que as torna, além de grandes cantoras, boas atrizes e compositoras.

Pois bem, ouvindo Khrystal percebi tais qualidades da região de onde ela vem, o Nordeste da seca, do orgulho de suas raízes. A força de todas essas mulheres advém desse intenso sentimento de nordestina brasilidade.

Foi com isso na cabeça que voltei a ouvir o CD. Das doze faixas, sete são só dela (incluindo uma instrumental), quatro são parcerias e uma é de outro compositor. Os ritmos característicos da região vêm embalados por criativa e natural multiplicidade – que credencia a música popular brasileira ser a mais bela dentre as mais belas do mundo.

A introdução de “Amarelo, Verde e Branco”, que tem música e letra de Khrystal, dá o primeiro sinal de que o pop rock se miscigenará, de forma especialmente profícua, com o baião, o xote, o coco e tudo mais que o Nordeste soube deglutir e tornar gênero só seu.

A voz de Khrystal logo surge dobrada. A seguir, um uníssono com os sopros: sax alto (Eugênio Graça), trombone (Gilberto Cabral) e trompete (Antônio de Pádua). A força da pisada contagia. Com vibrato na medida certa, ela deixa o suingue fluir. O arranjo instrumental estimula o baião pop rock, quente desde o início: “Vem do batuque, do calor do povo/ Da dança do corpo solto a passear/ Vem do amarelo, do verde, do branco/ Do índio, do banto, canto Potiguar/ De Mãe Luiza, dona do farol/ Do índio, do banto, canto Potiguar/ De Mãe Luiza, dona do farol (…)”.

De certeza em certeza, segui a audição… e era tanta a convicção, que cheguei a duvidar: estaria eu exagerando? Não, não estou! Khrystal compõe e canta com a mesma intensidade e singularidade de suas companheiras de ofício. E segui desbravando a sua personalidade musical nordestina.

Em “Meu Lugar” (Zé Fontes e Khrystal) ela canta brejeira e alegremente: “(…) Festas anuais, pé de valsa e salão/ Brincadeira celebrando os iguais/ Sol na areia que traz estio e tradição/ Sanfoneiro no fole e um motivo folclore/ A nos embalar e ao Nordeste saudar”.

Bela interpretação de Khrystal, com um salve! para o Quarteto de Cordas da Paraíba, “Meu Lugar” (dela e Zé Fontes) é destaque.

Essencial é quem faz de sua arte um porto seguro para suas andanças e suas descobertas; é quem impregna seu ofício com suas memórias, medos, alegrias… assim é Khrystal.

 

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4