Antes de comentar o CD Álbum de Retratos, CD independente de Vidal Assis, falarei sobre duas entidades fascinantes. A primeira é a Escola Portátil de Música, frutífera iniciativa do Instituto Casa do Choro – um grupo de músicos cariocas que desde o ano 2000 se propõe a compartilhar seus conhecimentos sobre o gênero, com os cerca de mil alunos hoje ali inscritos. A segunda é Hermínio Bello de Carvalho.
Poeta, compositor, memorialista, produtor musical, diretor de shows, dentre outros predicados, Hermínio tem a formidável intuição de perceber belezas onde ninguém antes sequer suspeitara. (Assim foi quando intuiu que Clementina de Jesus era uma esmeralda a ser lapidada.)
Tudo isso para relembrar quando Hermínio conduzia uma oficina na Escola Portátil de Música. Lá estava Vidal Assis. Ao conhecê-lo, o poeta sacou que ali estava alguém que ele deveria incentivar para a música.
Volto ao CD Álbum de Retratos. Vidal é bom cantor e ótimo compositor, daqueles que se saem bem em qualquer gênero musical: bolero, samba, baião, afoxé, toada. Assim, apesar de ele ter escolhido sete de seus sambas para gravar, permito-me afirmar que ele não é apenas um novo sambista, mas um compositor de responsa. Ele passeia sua inspiração pela heterogeneidade da música popular brasileira, qualidade esta que lhe propicia a glória de ser a melhor do mundo.
As doze músicas do disco têm letras de Hermínio Bello de Carvalho, sendo que em uma delas Elton Medeiros reparte a parceria. Um forte time de instrumentistas foi arregimentado para tocar os arranjos de Lucas Porto. Fortes também são as participações especiais do próprio Hermínio, de Áurea Martins, Zélia Duncan e do mencionado Elton.
A voz de Vidal é docemente encorpada, afinada. As suas divisões rítmicas são precisas, suas melodias são plenas de soluções criativas e as harmonias apresentam boas e inventivas soluções.
A primeira faixa é o samba de roda “Num Ciúme Só”. Suingada, a cozinha é o destaque, ela que está presente em quase todos os arranjos. Vidal firma o ponto, enquanto os violões de seis e de sete cordas (Lucas Porto), bandolim (Luis Barcelos) e cavaquinho (Bernardo Diniz) balançam a roseira.
O afoxé “Ao Revés”, com um canto marcante como refrão, é a faixa mais bela do CD. E como Vidal canta bonito, meu Deus! O intermezzo da flauta é um arraso.
Quando “Nem Sempre, Nem Jamais” começa, e ao perceber que o solo está com Elton Medeiros – há tempos eu não ouvia sua voz –, não resisti à emoção… respirei fundo e segui.
No samba “Baderna da Glória” outra lágrima teimou em descer. Foi ao ouvir, num intermezzo poético, Hermínio declamando seu poema em homenagem à Mãe Quelé: “(…) Eis que ouvi um benguelê/ Eram grilhões e senzalas/ De uma África inteira/ Que em renda e Alfazema/ Se corporizava ali (…)”, canta Vidal.
E é assim, entre modernidade e tradição, que Vidal Assis se qualifica para ocupar um nobre espaço entre os novos e bons cantores e compositores brasileiros.
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4