Em meu ofício de ouvidor de CD, já houve vezes em que o disquinho começou a rodar a primeira, a segunda faixa, sem que uma centelha despertasse imediatamente os meus sentidos. É quando, parecendo que as músicas são como os remédios que agem por impregnação, o “efeito” se dá. Como se as músicas se entranhassem em mim, acumulando-me de boas surpresas. Prazeres que me acendem e me levam a sorver as demais faixas  daquele disco como se fossem um lenitivo para minhas dores da alma.

 

Pois é, mas não foi nada disso que aconteceu quando comecei a ouvir Se Essa Canção Mudasse Tudo (independente, com apoio da Natura Musical), terceiro CD da compositora e cantora baiana Manuela Rodrigues. Logo na primeira faixa, “Lista” (MR), a introdução me balançou: ao som eletrônico se juntou um vocalise, no qual Manuela tem sua voz dobrada num duo meio enlouquecido, mas irresistível.

Comecei o parágrafo acima revelando que o disco da Manuela deu de me encantar logo na introdução da primeira faixa, cujos canto, bateria (Lalo Batera) e baixo (Gilmário Celso) pulsam forte na levada pop. Pois bem, logo me desliguei do restante da música; bem como me distraí ao ouvir  a segunda faixa.

 

 

Mas veio a terceira, “Amor de Carne e de Osso” (MR). Manuela, afinada, interpretando visceralmente, divide o canto com Silvia Machete. Após modulação, as vozes soam propositalmente embaralhadas… foi quando senti que o tal efeito estava me capturando novamente.

Cinco produtores se encarregaram de arrumar a sonoridade adequada para cada uma das catorze músicas. Assim, além de tocar guitarra e órgão, Tadeu Mascarenhas foi o produtor musical da primeira faixa. Gustavo di Dalva produziu a terceira e nela ainda tocou percussão e programou de efeitos. Também com produção de Tadeu Mascarenhas, Nicolas Krassik e seu violino abrilhantam “Qualquer Porto” (MR), cujo clima de cabaré encanta.

Já seduzido pela voz de Manuela, ouço “Ventre” (MR). Que coisa linda! Com produção de João Milet Meirelles e Tadeu Mascarenhas, a magia da concepção do filho faz de Manuela poetisa a acarinhar sua cria, ainda no ventre, com versos e encantos. Chapei!

O samba “Nenhum Homem É uma Ilha”, de Manuela e João Cavalcanti, tem os dois dividindo o cantar. Com direito a violão de sete cordas (Dú Marques), percussão (Gustavo di Dalva e Carlos Café), sanfona (Cicinho de Assis) e cavaquinho (Doni Jr), a produção de Gustavo di Dalva (a desdobrada dos compassos finais é bela sacada) valorizou e estimulou Manuela a realçar a sambista que ela traz dentro de si, bem como o sambista que João é desde o berço. Meu Deus!

“Extra II, O Rock do Segurança” (Gilberto Gil), cuja letra, na voz de Manuela, bem lhe traduz: “(…) Deve-se ao fato de eu ter vindo/ Ao seu mundo com a incumbência/ De andar a terra/ Saber porque o amor/ Saber porque a guerra (…)”.

Assim eu a vejo, Manuela Rodrigues, trovadora alardeando o mundo que existe, mas ainda não tem a beleza que você tem para lhe dar.

 

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4