Lucas Santtana é um experimentador. A fobia ao usual remexe os seus miolos. Para ele, um avião não é apenas um monte de placas de aço que avoa fazendo com que as distâncias entre um ponto e outro diminuam, quase inexistam: o avião é um modo delirante.
Cérebro que se recusa à simetria, o de Lucas se move sem que seja possível adivinhá-lo. Seus caminhos não estão na palma da mão, mas num plano de voo. De tão atento a novas ideias, elas lhes vêm aos sonhos. Lembranças confusas que chegam bizarras, atiçadas por bloody marys e bolinhas de tarjas pretas. Rumo ao fundo do céu ou do mar, ele está fora de enquadramentos que resumem estrelas e oceanos apenas a binóculos e águas marinhas.
Lucas Santtana lançou Modo Avião (Natura Musical), seu sétimo CD, um experimento que produziu com Fábio Pinczowisk. Todo o projeto foi concebido dentro da sua caixola, num formato que ele inventou e batizou de “áudio filme”.
Deixe o disquinho tocar. Não, não busque entendê-lo logo de prima, tente apre(en)dê-lo: um aeroporto fervilhante. Vozes que se confundem. Raios e trovões abrem espaço para a chuva. Sons de passos apressados. Diálogos íntimos, oníricos. Arranjos harmônicos. Belas canções. Instrumentistas que acertaram ao comprar o “barulho” proposto por Lucas, o que lhes permitiu navegar a bordo de um novo conceito artístico.
Sons arrodeando em volta da gente energizam sentidos e sentimentos. Com o recurso de microfones binaurais, cuja abrangência da captação abarca 360º da cena, somos postos no centro de um potente círculo sonoro, absorvendo cada detalhe registrado em surround.
Aí é o seguinte, brother: não importa se a voz de Lucas é doce e intimista, nem se seu violão de aço é firme; não importa se o multiinstrumentista Fábio Pinczowisk crie altos sons estratosféricos; nem que Rodrigo Campello arrase nos violões; nem que as cordas do Danish Quartet tenham afinação celestial; nem que o Coro Bonfim eleve a música às nuvens; nem que brilhe o violão de Lucas Vasconcellos, resfolegue o acordeom de Mestrinho ou que repercuta o vibrafone de Arthur Dutra. É como se também pouco importasse as vozes que dão vida aos personagens, imprimindo tom preciso às falas de suas figuras dramáticas: Patricia Pillar, Maria Manoella, Mariana Lima, Georgette Fadel, Cadu Fadel, Aury Porto e Carolina Bianchi.
O dia interpretado pelos atores revela-se através da música e da literatura presentes em Modo Avião. História assoalhada numa trama monolítica e impactante. Envolta em ações delirantes, aparentemente descosidas, a sequência de textos e das oito músicas conduzem a um final inesperado. Genial!
Lucas Santtana é um elaborador insubordinado. Um criador atento às possibilidades que todas as artes se lhes apresentam. Ele é um excitador de percepções. Um abridor de cabeças – ele que em algum dia teve aberta a sua, e com ela escancarada, lançou-se ao ar em seu dragão alado. Aquele que, num único dia, passa a limpo a sua estética artística.
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4