Moleque, pés descalços no ar / Sonho de menino é poder voar, voei. É assim, cantando o refrão de “Sonho de Menino” (de Zeca Collares e Valter Silva), que Zeca Collares inicia Estação, seu oitavo CD.

Violeiro e cantador, natural de Botumirim, no Vale do Jequitinhonha, ele carrega a simplicidade da região em sua música – simplicidade, sim! Não a miséria! Suas cantorias são levadas com a voz de quem sabe das dificuldades existentes lá pelo norte de Minas Gerais, mas a elas não se curva, a elas dá de ombros e cria e espalha belezas.

Produzido e dirigido por Zeca Collares, o papo é reto, a desafetação é a tônica. Das dez músicas (incluindo duas instrumentais), sete são só suas, três em parceria com Valter Silva.

Desde as harmonias; passando pelos gêneros típicos do interior profundo do Brasil; indo à instrumentação, na qual viola caipira, rabeca, contrabaixo de cabaça e ukelelê sobressaem nos versos, vivos, líricos, a formação instrumental tem poucos músicos, mas todos identificados com a informalidade musical de Zeca.

“Meu Torrão” (ZC), um baiãozinho retado, inicia com a viola caipira de Collares ponteando. A letra lúdica e bem-humorada, brinca: Hoje eu acordei com uma saudade imensa / Troquei meu Shakespeare por um Suassuna (…). Muito legal.

“Estação” (ZC) é a terceira faixa, uma moda na qual a viola acrescenta melancolia à melodia. Linda.

Quando o pandeiro toca / Me chama prum coco dançar / Dançar coco eu vou / Dançar coco eu vou (…), assim começa “Se Tocar Eu Vou” (ZC). Ao som da viola caipira e do contrabaixo de cabaça, tocados por Zeca, somados à percussão sempre antenada de Cleber Almeida, mais uma vez a folia chega para animar a festa.

Com o encarte na mão, vejo que “Brincadeira de Esconder” (ZC e Valter Silva) conta com o cello de Luiz Anthony. Sinceramente, preparei-me para um intermezzo do instrumento. Não teve… pena. Mas a letra se vale de uma brincadeira infantil para chegar a um criativo final. Afinado, novamente dobrando a própria voz em uníssono e em terças, Zeca arrasa.

“Reza” (ZC), anunciada no encarte como um tema instrumental, na verdade tem a voz de Zeca, ora dobrada em uníssono, ora em uma oitava abaixo, ora em terças, cantando a letra de um canto com ares de barroco mineiro. Sua viola caipira se junta ao violão de Zé Marcos Gonçalves e à percussão de Cleber Almeida. Lindo momento.

“Sem Parar” (ZC) tem a mesma instrumentação da faixa anterior. E é cantada emocionadamente por Zeca, que por vezes dobra a voz. (…) Perdeu o tempo / O homem que nada fez / Foi levado pelo vento são os versos finais que culminam com Zeca declamando galanteios à amada.

Apenas ao violão e à viola caipira, Zeca fecha a tampa tocando o instrumental “Um Minuto Com Deus” (ZC). Belo.

A concepção de cada música é límpida. A ela Zeca entrega a sua alma interiorana e o seu jeito de encarar o mundo e a sua vida. Através de suas canções, Zeca Collares canta por si e por sua gente, com seus costumes e seus valores.

 

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4