Para Luiz Fagnani

Maniqueu  foi seguidor do profeta persa Mani, ou Manés, que já no século III, na antiguidade persa, apregoava que o universo era composto de dois elementos fundamentais, conflitantes, e em eterna luta entre si: o bem e o mal. Daí, aliás, surgiu o termo maniqueísta, e o maniqueísmo,presente em todas as línguas ocidentais, virou sinônimo da polarização entre coisas certas ou erradas; belas ou feias; prazerosas ou não. Contraste perfeito, como preto X branco, os argumentos perderam tonalidades intermediárias e os extremos se justificariam no simplismo do sim ou não, do é ou não é. E pronto. O curioso é que este posicionamento acabou por ganhar sentido em diferentes culturas e até o presente se manifesta como um dos mais difíceis artifícios argumentativos do diálogo em qualquer situação, pública ou privada.

O Direito, por exemplo, demorou a tratar questões com “atenuantes” e/ou “agravantes”, pois tudo se encaminhava para um termo condenatório onde presidia o suposto da verdade X mentira. Neste processo de conflito latente, extremado e eterno, o equilíbrio, a temperança e bom senso se viram sempre ameaçados e, pior, passíveis de tolerância.

O correr dos séculos, principalmente depois da Revolução Industrial do século XVIII e do processo democratizante liderado pela Revolução Norte-americana e Francesa – no Brasil tivemos um ensaio público dessa experiência na chamada Inconfidência Mineira em 1789 –a participação política foi desafiada.Como expressão da vontade do povo, o sistema político passou a incluir a atuação popular como essência do convívio social de qualquer estado democrático. Nessa montagem de sofisticada arquitetura política, o sistema representativo se ergueu como solução. O voto, pois, virou recurso (não gosto de usar a palavra “arma”) para indicar programas que traduzem vontades expressivas. E dessa maneira, o verbo votar aquilatou o que de mais precioso temos no contrato social.

A vontade da maioria é a expressão limite, confirmada, aliás, pela sabedoria popular que reza que “a voz do povo é a voz de Deus”. Nesse panorama, os partidos e políticos devem expressar o ideal de entidades organizadas e dimensionar política de uma coletividade. Há magias nessa concepção, pois numa Repúblicaqualquer cidadão pode exercer o direito de representatividade, basta se candidatar. E todos podemos.

Precisei deste preâmbulo para ferir o tema central pretendido: nossos políticos são maus porque não soubemos escolhe-los. Num esquema pré-estabelecido, em continuidade, temos que aprender a respeitar os acertos ou erros da coletividade.

Por certo, há sutilezas políticas presentes na fiação dos argumentos. É aí que entra a História como prática da vida coletiva. Temos que conhecê-la para respeitá-la em suas implicações íntimas.

No caso brasileiro, devemos reconhecer que nossa República foi proclamada por um golpe militar, ainda que tivéssemos um movimento republicano. A ausência de sabedoria participativa tem levado ao longo dos anos a repetidas intervenções militares que, afinal, dimensionam a apropriação que os militares fazem do processo político nacional. Um rosário dessas intromissões tem atrapalhado, sobremaneira, o amadurecimento continuado do exercício livre da cidadania. A cada ingerência militar em nossa história, temos que começar tudo novamente, como se inventássemos a roda a cada reinício. Talvez, o mais dramático sintoma desta constatação seja o absoluto descrédito que temos dos políticos e da política. E isto, infelizmente tem idade e basta ler Machado de Assis, por exemplo, para notar a aproximação de todos os políticos às roubalheiras, defesa de interesses mesquinhos, pessoais.

Acima de tudo, felizmente, temos a Constituição. Ela, diga-se, nos dá a segurança do que podemos fazer, remete aos limites. Temos que aprender a obediência aos critérios do Estado de Direito, no enquadramento legal, em observância à nossa trajetória. Ninguém está acima da lei, nem presidentes, nem juízes. É aí que entra a questão dos entendimentos.

A política existe nas expressões comungadas de justiça e vontade popular, segundo preceitos constitucionais. Os conflitos, ironicamente, são bem-vindos, mas precisam superar simplismos maniqueístas e debates acalorados sem argumentos históricos ou constitucionais. Não é na porrada que vamos nos entender. Assumir política não é falar mal, fazer piada, ficar na gritando “já ganhou” ou “já perdeu”. A política saudável é aquela que exerce a crítica com argumentos históricos e que, ganhe ou perca, tem em vista o diálogo cabível nos limites do entendimento da boa política. A política é um bom lugar, pensemos nisto.

 

por José Carlos Sebe Bom Meihy, meiconta63@hotmail.com