José Carlos Sebe Bom Meihy

 

Pois é!!! O Carnaval está chegando… Como festa cíclica, o tal “Reinado de Momo” se anuncia mantendo a força do calendário e da tradição que diz que o ano, realmente, começa no Brasil depois do tríduo. De fato, houve um tempo em que o Carnaval regulava o início das aulas, a retomada do debate político, a seriedade dos enfrentamentos protocolares comerciais. As coisas, contudo, estão mudando muito. E num ritmo nada carnavalesco. Atualmente, as aulas não mais se iniciam antes da grande festa, o debate político não pode esperar a quarta-feira de cinzas e as demandas econômicas (IPTU, IPVA, escolas) também não mostram paciência. Tudo está aí e é urgente. Mas, terá mudado a essência do Carnaval? Parafraseando Machado de Assis ante a reflexão natalina, pode-se perguntar: mudou o carnaval ou mudei eu? Foi com esta pergunta que meditei sobre o andamento do calendário corrente.

Para todos, tornou-se fácil exaltar o fim de 2016, um ano exageradamente complicado. Foi nesse embalo que a alegria abraçou a esperança prenunciando que 2017 poderia – pelo menos – não ser tão ruim. Mas, e o Carnaval com isso? Pois é, vejamos como se portariam as teorias explicadoras dos tais dias.

Uma das chaves analíticas mais celebradas diz que durante o Carnaval se dá uma permissividade que implica na inversão do cotidiano. O antropólogo Roberto DaMatta insiste em dizer que a liberdade calibrada dá vazão a trocas onde a fantasia é mediadora de possibilidades reprimidas: pobres podem virar ricos; homens se travestirem de mulheres e vice-versa; brancos podem ser escravos e ricos mendigos. Renato Ortiz, também antropólogo, investe em tese contrária, mostra que, reverso da tese damattiana, o Estado não deixa de existir, a política tem até mais trabalho, os hospitais funcionam e a indústria do turismo aproveita para dimensionar lucros justificadores da folia. São versões muito diferentes. Ainda que o assunto seja palpitante e convide a opiniões polarizadas, é inegável o questionamento que permite perguntar: mas, o que há de novo no Carnaval deste ano? O que dizem os preparativos? Afinal, vale mais a tese de DaMatta com a evocação quase romântica da catarse, ou, pelo contrário, vigora a suposição de Ortiz que pontifica a recrudescência da ordem que, aliás, se refaz exatamente por permitir o reforço do sistema no contexto?

O modelo carioca de celebração, por variado e mimético que possa ser, ainda prevalece. Seja nas manifestações de rua, nos salões, nos grandes desfiles das escolas de samba ou blocos; nos concursos de fantasias ou nas matinés infantis, é válido repetir que a festa mantém matriz genuinamente carioca.

Saúda-se a manifestação baiana, mineira, pernambucana, catarinense – sem deixar de lado a referência a São Luiz do Paraitinga – e outras tantas, mas não há como deixar a menção máxima ao Rio de Janeiro. E então, qual o recado de agora? E, principalmente, qual o endereço crítico dado pelas ruas?

Sim, sobremaneira valoriza-se o crescimento desmedido das manifestações públicas. E não há como deixar de lado o registro de “cerca de 500 blocos” consignados pela Associação Sebastiana, entidade que congrega os cordões. E por falar em reunião de gente na rua, no Carnaval, temos que lembrar que o Cordão do Bola Preta, a Banda de Ipanema, a Simpatia e quase amor, agremiações que chegam a reunir, cada uma, centenas de milhares de pessoas. Tais dados reforçam a pergunta: mas mudou o sentido da festa?

Vejamos rapidamente: preside o teor crítico, sim; mantém-se a tradição da irreverência e revelação de desagrado, não se abdica da picardia, mas… Mas há estranhezas a serem consideradas. Não deixa de ser bizarro, por exemplo, este ano, saber que o encerramento dos dias momísticos cariocas será feito pela “Banda Eva”, da Bahia. Aliás, esta mesma banda estará presente no dia anterior no desfile da Grande Rio, que tem Ivete Sangalo como tema.

Mas, curiosamente, tal mimetismo não tira a graça da sutileza crítica. Sem dúvidas, o que se nota de mais entusiasmante na cena carnavalesca atual é a presença crescente do povo na rua e, neste sentido, uma mostra pode ser vista pelo refrão do Bloco Meu Bem Volto Já que diz com clara malimolência “sem medo de construir nosso destino/ Temer jamais, Temer jamais/ Ô, dá licença seu prefeito, sarava/ É Prata Preta, Escravos, Olokum/ E a Terreirada que vem lá do Ceará”.

Conclusão, o Carnaval pode estar mudando sim, mas não na essência; ele continua irreverente, continua com o povo na rua e se deixa modernizar incorporando outras manifestações. Tudo antropofagicamente. E isto enlouquece interpretações antropológicas.