A insistência em descrever o nazismo como ideologia de esquerda mostra que Bolsonaro cultiva uma relação peculiar com a realidade. Se os fatos o contrariam, pior para os fatos
Jair Bolsonaro cultiva uma relação peculiar com a realidade. Ele não admite contestação, mesmo quando é desmentido com argumentos irrefutáveis.
Se os fatos o contrariam, pior para os fatos.
Na segunda-feira, o presidente atacou o IBGE. Motivo: o instituto revelou que o desemprego voltou a subir. Em vez de encarar o problema, Bolsonaro reclamou da estatística. “Parecem índices que são feitos para enganar a população ”, esbravejou.
A pesquisa seguiu parâmetros internacionais, mas foi descartada por não confirmar a propaganda .“Fui muito criticado e volto a repetir: não interessam as críticas. Eu te nhoque falar a verdade ”, prosseguiu o presidente. Ele deu as declarações numa data sugestiva: 1º de abril.
Ontem Bolsonaro resolveu esticar o Dia da Mentira. Em Israel, embarcou no delírio do chanceler Ernesto Araújo e disseque o nazismo foi uma ideologia de esquerda .“Não há dúvida, né? Partido Socialista… Como é que é? Partido Nacional-Socialista da Alemanha ”.
O presidente despejou o besteirol em visita ao Yad Vashem, museu que lembra as vítimas do Holocausto. A instituição informa aos visitantes que o nazismo foi uma das expressões do “crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha”. Se não leu os livros escolares, Bolsonaro poderia ter consultado as plaquinhas.
É consenso entre historiadores que o nazismo foi um movimento de extrema direita. O primeiro campo de concentração, em Dachau, foi inaugurado com o envio de comunistas e socialistas. Só depois recebeu judeus, ciganos e homossexuais.
Ernesto Araújo (D) foi aluno de Olavo de Carvalho que o indicou para a Chancelaria
A insistência em negar os fatos tem espantado a comunidade internacional. “Nunca ouvi uma voz séria na Alemanha argumentando que o nazismo foi um movimento de esquerda”, disse em setembro o embaixador alemão no Brasil, Georg Witschel.
Na semana passada, a emissora pública Deutsche Welle resumiu a falsa polêmica com sete palavras: “O absurdo virou discurso oficial em Brasília”. A Alemanha zela pela verdade histórica para que seu passado sombrio não se repita. Quando o Planalto exalta golpes e ditaduras, o Brasil toma o caminho oposto.