Para meu filho Felipe, fiel sofredor

 Corinthians minha vida. Corinthians minha história. Corinthians, meu amor. Você é religião. Você é a minha fé. Eu canto para o mundo inteiro. Que sou Corinthians até morrer”. Esta elegia de 1955 foi gravada por Inezita Barroso, fervorosa torcedora do Timão como as corinthianas Hebe Camargo, Maria Gabriela, Rita Lee (melhor não entrar no setor masculino para evitar confusões).

É verdade que o “hino oficial” é mais antigo, e desde 1952 brada-se “Salve o Corinthians, campeão dos campeões, eternamente dentro de nossos corações”. Não faltam, aliás, autores como José Miguel Wisnik, Bernardo Buarque de Holanda, José Geraldo Vinci de Moraes (todos corinthianos, claro) que o colocam no primeiro lugar das paradas entre as canções assumidas pela “torcida mais apaixonada do Brasil” (aiaiaia, até ouço meus amigos Flamenguistas contestando). Não há como negar arrebatamento por outras composições como “Eu sou Corinthians desde pequeninho. Sou Corinthians desde o meu nascimento”, ou o esfuziante grito da Gaviões da Fiel “Aqui tem um bando de loucos. Loucos por ti, Corinthians… Eu vivo por ti, Corinthians”. Mas poucos sintetizaram tão bem o arrebatamento como a trilha que reza “Eu nunca vou te abandonar. Porque eu te amo”. Atualizando a situação do time que (outra vez) experimenta a rabada da classificação, não há como deixar de lado o comprometimento apropriado para os dias atuais “Não para, não para, não para. Vai pra cima Timão. Não para não para, não para, não para. Vai pra cima Timão”.

E nem só de música vive a reverência ao “time feiticeiro”. Em 1985, nos cinemas estreava um documentário empolgante “Corinthians: e o mundo enlouqueceu”. Outros seguiram exibindo o espanto da torcida como “Todo Poderoso Timão” (2012), e mais como “Corinthians e o Bando Corinthiano” (2015) e “Torcida Organizada” (2016). Em termos de cinema, porém, nenhum produto se iguala à ficção de Bruno Barreto “O casamento de Romeu e Julieta”, de 2005, que conta caso de um corinthiano apaixonado por uma palmeirense. E haja peça de teatro, telenovela, minissérie, contos, teses e livros sobre o “glorioso”.

Nem faltam tentativas de explicação desse fenômeno. É lógico que antropólogos, sociólogos e historiadores se multiplicam em palpites sempre insuficientes para elucidar o fervor corinthiano. A questão da preferência nacional, por exemplo, é quesito polêmico e contrapõem flamenguistas e corinthianos. Os que asseveram primazia numérica ao Flamengo propagam preferência, garantida pela presença nacional. Os corinthianos revelam ter a torcida que mais cresce e a mais jovem, projetando ultrapassar o adversário em 2030. Ainda que o Flamengo tenha mais títulos, o Corinthians tem mais influência cultural, marcando fortemente a identidade da classe trabalhadora (e viva a “Democracia Corinthiana”).

Trazendo o debate para os dias de hoje, contudo, resta olhar a tabela e ver que o Flamengo sorri na liderança e o Coringão chora na parte baixa. Um exame impertinente acarreta uma pergunta fatal: o que explica a paixão corintiana? “Sofredor” é adjetivo permanente – olhando a história, temos justificativas capazes de mostrar a tensão que atravessa a história do time. “Quase” é outra palavra muito visitada no dicionário dos corinthianos que tanto a usam quando estão em cima (“quase” campeões) como quando estão em baixo (“quase” rebaixados); mas nenhum termo é mais revelador do corinthianismo que “virada”. E não é sem razão que “virada” é explicativo do fanatismo, basta lembrar de 1954 quando vencemos o Palmeiras por 4 x 3 depois estar perdendo de 3 x 1; e da vitória de 4 x 3 em 1995 contra o Santos e viramos de 2 x 1 para 4 x 3? e como foi bom em 1999, depois de estar perdendo para o São Paulo por 2 x 1 terminar em 4 x 3. Dramática foi a vitória de 2012 sobre o Vasco quando, depois de empatar o primeiro jogo da Libertadores (0 a 0), aos 42 minutos do final fez o gol da vitória. E em 2021, contra o Atlético Mineiro, depois de estar perdendo por 2 a 0, ganhar por 3 a 2?

Entendimentos atuais demandam questionamentos subjetivos: por que um time assim tenso mantém súditos tão aguerridos? Como eles se comportam frente o fracasso corrente? Juntas, as duas perguntas permitem questionar razões dadas pelos “sofredores” que, no momento “quase rebaixados”, esperando a “virada”. Entre mil explicações encontrei uma basilar que me satisfez “pois é, era de se esperar, depois 2019 quando a Gaviões colocou na passarela do samba o enredo ‘A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente, São Jorge desceu do cavalo resolveu nos castigar com o lento rebaixamento”. A sequência da justificativa corinthiana completava “Estamos quase lá e não vamos ter virada sem sofrer, sem pagar pela homenagem ao diabo”. Vamos aguardar a volta do Santo que venceu o dragão, quem sabe ele salve o “campeão dos campeões”.