Ao meu querido amigo Ney
Tudo tem limite! Mas desta vez o governo do Bozo extrapolou. Ou, quem sabe, estamos todos indo passivamente pelo mesmo caminho. Foi a conclusão a que cheguei ao abrir a Folha de S. Paulo de domingo 28 e ler a propaganda do governo federal: “Ministério da Cidadania e Santander apresentam SILVIO SANTOS VEM AÍ”.
Levei um susto. Imaginei que tivesse lido errado. Não acordei porque já estava acordado. No jogo de baralho usa-se a expressão filar. Quando se recebe as cartas em um momento crítico você não as abre em conjunto. Você vai filando uma a uma. Foi o que eu fiz com a publicidade de página inteira.
Virei uma carta. Eis o texto: “Estamos nos preparando para a retomada do grande sucesso!” O que seria o grande sucesso? Outra carta responde: “GRANDE ESPETÁCULO – SUCESSO DE CRÍTICA – PERSONAGENS QUE MARCARAM A HISTÓRIA DA TELEVISÃO BRASILEIRA – NO MOMENTO CERTO E COM TODAS AS MEDIDAS DE SEGURANÇA, A RETOMADA SERÁ INCRÍVEL”.
Bolsonaro, deputado Fábiio Faria e Sílvio Santos
Em seguida um banner prega: “INCENTIVE A CULTURA, APOIE ESTE PROJETO! SILVIO SANTOS VEM AÍ”. O projeto é apresentado pela Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e pelo Banco Santander. Conta com o patrocínio da EMS, uma indústria multinacional brasileira de produtos farmacêuticos especializada na fabricação de medicamentos genéricos e apoio da Trusseau, empresa especializada em produtos de cama, mesa e banho.
A realização é assinada pela Paris Cultural – um ramo da Paris Filmes, a Secretaria Especial da Cultura, o Ministério da Cidadania e o Governo Federal. Não é preciso qualquer expertise para se concluir que se trata de um evento chapa-branca. O evento estava agendado para março passado, mas a pandemia falou mais alto. Só saiu do papel depois que Bolsonaro nomeou no dia 17 de junho o deputado Fábio Faria (PSD-RN) como o novo ministro das Comunicações.
Faria, 42 anos, é genro de Silvio Santos, dono do SBT, casado com Patrícia Abravanel, uma das herdeiras e apresentadora do canal. Ela é dona também da TV Alphaville, um canal por assinatura, em Barueri, na Grande São Paulo. Ministro e mulher também são sócios numa empresa de produção artística ligada à TV aberta, a New Beginnings.
São muitas as coincidências. Mas alguns detalhes chamam a atenção. Por exemplo, a publicidade de página inteira só teria sido veiculada pela Folha de S. Paulo que é atacada de forma recorrente pelo presidente. Provocação ou bandeira branca? Enquanto a resposta não vem, teremos de engolir a visão oficial sobre política cultural espelhada nesse espetáculo com apoio da Lei Rouanet. Quem diria!!
Depois de muita crítica, governo federal se utiliza da Lei Rouanet
Um dos alvos bolsonaristas, segundo o guru Olavo de Carvalho, é o marxismo cultural pregado por intelectuais e artistas leitores de Antonio Gramsci. Aí residiria o grande perigo responsável pela formação de gerações embriagadas pela ideologia comunista.
Mas os seguidores do Bozo não têm criatividade. Já faz algum tempo que o governo federal é uma imagem petista com sinal trocado. E o show sobre Sílvio Santos é a maior prova. Combateram por todos os meios a Lei Rouanet e a usam ostensivamente nesse espetáculo. As empresas Banco Santander, a Trousseau e a farmacêutica EMS parecem enquadradas nos artigos da Lei. Mas a Paris Cultural foi criada para esse fim. E concluem com a participação do governo federal.
Sílvio Santos e seu genro Fábio Farias agradecem enquanto Gramsci fica se remoendo na sua tumba. Ainda bem que se trata da Nova Política. Saravá!!