Em 2006, Delfim apoiou a reeleição de Lula que se desculpou publicamente pelas críticas que fez durante 30 anos

Morreu uma lenda. Delfim Netto nunca foi um economista neoliberal. A ditadura militar também não. Também nunca foi de esquerda. Mas nunca escondeu que preferia Keynes e nunca as posições de Friedich Hayek, um dos pais do chamado neoliberalismo que inspirou de Milton Friedman a Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990.

Delfim sempre foi um nacional estatista. O estado que concebia sempre seria o principal agente do processo econômico. E assim o fez durante da ditadura militar onde foi ministro da Fazenda, ministro da Agricultura, embaixador do Brasil na França e secretário de Planejamento. Pós ditadura, foi deputado Constituinte em 1988 e reeleito por três mandatos.

É o pai do chamado “milagre econômico”, período em que a economia cresceu com índices anuais de dois dígitos. Acreditava que qualquer distribuição só poderia ocorrer quando o “bolo crescesse”. O Brasil cresceu, mas em 1985 tinha os piores indicadores econômicos: uma dívida externa impagável, uma altíssima inflação que só seria equacionada com o Plano Real de FHC e uma concentração de renda que consolidou o abismo social que marca nossa sociedade.

Eu o conhecia apenas da sala de aula na FEAUSP e nas suas rápidas passagens por São Paulo depois que assumiu a Fazenda em 1967. Fui monitor da cadeira que passou a ser comandada por Afonso Celso Pastore e fui indicado pela turma de Delfim para trabalhar no projeto de viabilidade do Metrô de São Paulo. Foram dois anos – 1967/1968 – em que eu vivia dividido entre a escola, o trabalho, a monitoria e o movimento estudantil que combatia a ditadura.

Quando o czar da economia (como a grande imprensa chamava Delfim) vinha a São Paulo sua turma tinha um ritual estabelecido: sauna no Hotel Danúbio na avenida Brigadeiro Luiz Antônio com direito a drinks e massagem e depois concluir na cantina Il Cacciatore na rua Santo Antônio na fronteira da Bela Vista com Bixiga. Até hoje me lembro do coelho ao vinho, o prato preferido daquela turma que reverenciava com respeito o ministro e de artistas famosos como Paulo Autran e Maria Della Costa.

Eu quase fui um Delfim boy, como eram chamados os membros de sua turma. E não por acaso. Naquela época eu era um programador de computador. Em São José dos Campos que me acolheu generosamente depois de ter recebido “cartão azul” do Estadão, colégio dirigido pelo Cuco, que “convidava” a me retirar por causa de uma famosa viagem a Lorena com a fanfarra e equipes esportivas que enfrentaram com muita garra nossos colegas da escola pública local. Mas é outra história.

Em São José, fiz um curso de informática no CTA – Centro Técnico da Aeronáutica – ministrado pelo o então capitão Tércio Pacciti que chegaria a brigadeiro e reitor do ITA. Tive a sorte de aprender a programar para o computador IBM 1130 que sequer havia sido lançado no mercado. Foi adquirido em 1967 pelo então IPE – Instituto de Pesquisa Econômicas da FEAUSP antes de se transformar em fundação FIPE. Graças a esse upgrade transformei-me em monitor da cadeira que fora de Delfim e ganhar tempo para o movimento estudantil. Naquela época ninguém sabia quanto tempo levaria a programação e o processamento de estudos econométricos que a equipe fazia para o consórcio HMD responsável pelo estudo contratado pelo Metrô que sequer existia.