Que notícia mais estranha, era só o que faltava: o Papai Noel está sob suspeita! Seria mesmo a covid19? Febre, dor de cabeça, desânimo, perdeu o olfato… Credo! Os sintomas sugerem que o vírus chegou ao Polo Norte, e atingiu seu morador mais reputado. Ironia, né, parece que o bichinho se apropriou daquela musiquinha dele que diz “não se esquece de ninguém, seja rico ou seja pobre”. Vírus malvado, cruel, inoportuno… Logo agora, depois deste ano tão açoitado por fatalidades. E me preocupo, pois ele é obeso – pelas fotos, acho que pesa mais de 100 quilos, está no grupo de risco. Certamente, por lá também não existem enfermarias suficientes e não se tem certeza das orientações do governo.
Difícil explicar como vírus chegou até ele que sai de casa apenas uma vez por ano. Pelo visto, nem o confinamento o ajudou. Como pode, né? Bichinho insinuante, esse vírus é o próprio “estraga prazer”, até parece certos políticos que ao abrir a boca ou aparecer provocam urticárias. Mas fiz uma pesquisa histórica e resolvi entender melhor a figura do Bom Velhinho. Acho até que descobri algumas coisas. Cá entre nós, acredito que boa parcela da culpa cabe à Coca-Cola. Sim à Coca-Cola. Não riam não; vou explicar o porquê, aliás, isto exige que eu aborde rapidamente a genealogia do Papai Noel.
Tudo está ligado à prática de dar presentes que, claro, se redefiniu sob as regras do capitalismo. Não foi sem razão, aliás, que a primeira agência promotora destes festejos tivesse sede em Nova York, na redação da revista Harpers Weekly, em 1881. Criaram então a imagem de um senhorzinho simpático, barbudo, com pança enorme, e o vestiram de vermelho, transformando-o em distribuidor de presentes. E ano a ano repetia-se a tradição. Em 1931, a imagem do senhorzinho vestido de vermelho apareceu pela primeira vez em um comercial da Coca-Cola – sim da Coca-Cola, o refrigerante mais consumindo no Planeta – e a partir daí fixou-se a figura do Papai Noel como emblema do Natal. E a Coca-Cola deitou e rolou no sucesso que se aperfeiçoa a cada ano. Aproveito essa “apresentação” para sustentar uma hipótese capaz de explicar a contaminação do natalino senhor. Reparem na propaganda desse ano: uma criança escreve sua tradicional carta, o pai emocionado atravessa todos os obstáculos possíveis para chegar à casa do Papai Noel no Polo Norte e, depois de tudo, faz a entrega pessoalmente. Pronto, disse: foi ele que levou o contágio, só não sei se pela carta ou pessoalmente – isto não está claro. De toda forma, pobre Papai Noel.
Mas será que o Papai Noel não poderia ter se precavido? Difícil responder. É verdade que não faltaram avisos alardeados desde o mês de março. É possível que, entretido na fabricação de tantos regalos, ele não tenha prestado atenção às notícias. Não o condeno, pois as fake news promovidas por exércitos de negacionistas, alguns financiados pelos governos, confundiram a opinião. E tudo foi crescendo e não bastasse uma onda, temos duas, com ameaça de sequelas graves por alguns anos. Resultado: não houve como aliviar as tensões que agora se nos apresentam como fatalidade irreversível. São quase 75 milhões de casos no mundo, cerca de 1,7 milhão de mortes. O Brasil ostenta 10% dos números de contaminados e chegamos logo a 200 mil perdas fatais. E, assim, não tem como pensar que os festejos de fim de ano pudessem seguir o mesmo ramerrão de sempre. Pois é, como diz a canção “nada será como antes”.
Todos fomos afetados em nossa intimidade, mas ninguém mais que o Bom Velhinho. Imaginemos como a rotina do Papai Noel foi abalada em plena pré-produção dos presentes. Vou revelar um segredo natalino: sabedor dos pedidos, desde o dia 26 de dezembro do ano passado, ele vinha articulando um esquema facilitador da produção e da entrega dos pedidos. No mítico mundo imaginário, Papai Noel tinha um acordo com a China, sua parceira, fiel fornecedora de insumos variados. Como sempre, eram pedidos bonecas, carrinhos, roupas variadas, sapatos e demais apetrechos de utilidade doméstica; esperto, o velhinho começava preparar tudinho com muita antecedência.
Pois é, o ataque de nervos se deu quando o Papai Noel viu seu acordo com a China atingido por uma feroz propaganda da direita internacional. Nossa, ele entrou em desespero pois quase todos os presentes vinham de lá. Inda mais agora que o Paraguai resolveu mudar seu perfil e se mostrar como o país da América do Sul com maior crescimento. E tem o chanceler brasileiro que trocou os brinquedos de verdade pela política do Itamaraty e, assim, joga como inconsequente.
Gente, o Papai Noel está desanimado demais, pois para piorar tudo disseram que a rota de viagem que ele sempre fez foi alterada e até garantiram-lhe que a Terra não é mais redonda e que suas renas foram colocadas na mira de caçadores segundo normas do Ibama. E ele quase se desesperou quando foi informado que os livros seriam sobretaxados e que a cultura e a ciência estavam em baixa sob olhares de seguidores muito pouco respeitáveis.
Sei que o Papai Noel ainda está sob suspeita porque o resultado do teste da covid está para sair. Mesmo que seja negativo, previno a todos que ele pode não vir este ano. Sério, ele vai respeitar a quarentena e, em casa, solitário acho que não vai celebrar com Coca-Cola. Gostaria que ele soubesse que todos nós desejamos que o ano novo chegue logo e não apenas em 2022.