“Para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e… errada”. Esta afirmativa é do jornalista norte-americano H. L. Mencken, e se aplica, muitas vezes, ao comportamento de boa parte do mundo contemporâneo. Vivemos correndo e nossas agendas sempre lotadas arrolam compromissos que se atropelam.
É notória a dificuldade que temos no trato e controle e gestão do t empo. Decorrência natural disso é a ansiedade, irmã da frustração, gêmea da depressão que parece nos esperar sentada nas esquinas da vida. Se pararmos para olhar em nosso derredor contemplamos pessoas nervosas, aflitas e com expressão de desespero aguardando o momento de soltura fatal que, por sua vez, nos levara a baixa-estima. Talvez, isso explique um dos mais assustadores problemas da cultura contemporânea: a profusão absurda dos livros, artigos, frases e conselhos de autoajuda. Basta dar uma olhada em qualquer livraria – em particular nas bancas de rodoviárias e aeroportos – para constatar a abundância de primeiros socorros contra a infelicidade, pílulas de ensinamentos comportamentais.
Lições, passos, guias práticos, são tematizados como se fossem salvadores imprescindíveis de nossos destinos sempre desgraçados. As leituras de tais textos são tão exclamativas, indicativas peremptórias de que sem elas não sobreviveríamos aos tsunamis existenciais. A surpresa aumenta ainda mais quando se constata que esses são os livros mais vendidos, e que o público que os consome varia de idades, classes sociais, gênero e raça. E é um fenômeno mundial.
Dia desses, em minhas rotineiras voltas em busca de atualização de temas especializados em minha área de atuação, numa dessas livrarias magníficas – daquelas que têm sofás, bancadas para leitura, cafés – sentei-me e, perto de mim, se ajeitou um moço de seus 40 anos. Enquanto eu folheava os volumes que havia separada para exame, ele fazia o mesmo com uma pequena pilha de livros de autoajuda. Absorto que estava em minha tarefa, fui interrompido pelo repentino interlocutor que pediu para que lhe explicasse a frase que abre esta crônica. Incapaz de entender a ironia encerrada na combinação de “solução clara e simples para problemas complexos”, ele questionava o que haveria de equivocado em achar isso “errado”. Atropelando a lógica compreensiva, ele antepunha a complexidade indagando se as dificuldades do mundo deveriam ser fatalmente intricadas. Bastou um minuto para que entrássemos no redemoinho filosófico. Juntei os predicados de professor, tentando trocar em miúdos, exercitei a prática de uma explicação que começava por um oportuno “veja bem”…
“Veja bem”… o tempo imediato e a pressa na resolução das contendas acaba por definir a velocidade das resoluções. E na pressa a eficiência pronta, simples e clara, atua como centro de solução. Sem retomar os fundamentos da Caverna de Platão, tratei de assegurar que as boas resoluções são elaboradas no ritmo de horas de experiências que, aliás, tem relógio diferente. E disse mais, que nem sempre as tais boas soluções seriam claras, implicando, inclusive alguns meandros dificultosos. “Quer dizer que a vida é complicada e que não há soluções simples?”, pronunciava o perplexo moço. Sem querer ser impertinente disse que poderia até acontecer, mas que algumas pessoas precisavam de mais argumentos e reflexões mais apuradas e que, exatamente, dessa trajetória derivava a complexidade inerente a boa solução.
Já alheios aos livros escolhidos para análise, partimos para um café e ao final, depois de divagações mirabolantes onde se falou da vida, ouvi dele que estava desempregado, recém-casado e com dívidas acumuladas. Disse mais: que na falta de grana para procurar um analista ou conselheiro profissional, buscava um bom livro de autoajuda. Foi o que me bastou para demonstrar, ali mesmo, que aquele era um exemplo de “solução clara, simples e… errada”.
Despedimo-nos logo. Andando de volta para minha casa não conseguia deixar de refletir sobre o breve papo e tanto pensei que quase fiz o retorno para comprar um daqueles títulos do tipo: seja feliz em 10 lições.