A internet criou muita coisa boa, mas também aquilo que está sendo chamado hoje de ‘a era das trevas digitais’
Em 1986, quando criei a W/, resolvi que ela seria a primeira agência de publicidade informatizada do Brasil. Naquela época, as agências tinham apenas máquinas de escrever Olivetti portáteis, pranchetas de madeira, copiadoras Xerox e calculadoras Casio. Também existiam os projetores de filmes Bolex e algumas máquinas de escrever IBM elétricas. Os telex representavam um privilégio dos grandes veículos de comunicação, e eram poucas as agências que podiam se dar o luxo de possuir um deles.
Pouco tempo depois da fundação da W/, as coisas começaram a mudar. Já em 1988, a W/Brasil tinha computadores Apple em toda a criação e computadores IBM nas áreas negociais e administrativas. Nossa estrutura parecia com o modelo que Jay Chiat havia implantado na Chiat\Day de Los Angeles, que resolvemos imitar no Brasil.
Tempos depois da informatização da W/, convidei para vir ao Brasil o editor da Revista Adweek, Andrew Jaffe. Estudioso da vanguarda tecnológica, Andrew explicou à equipe da W/ o que significava aquele world wide web, o “www”, que o cientista de computação inglês Tim Berners-Lee tinha inventado. Fascinou a todos com a sua exposição sobre o futuro da comunicação. Obviamente, nos empolgamos com o acesso ao mundo digital.
O Twitter é visto por intelectuais como o esgoto das redes sociais
Para nós, aquele momento tinha tudo para ser um tempo transformador em termos de democratização do acesso à informação. Realmente, durante um bom período isso foi verdade. A internet colocou o mundo inteiro interligado em frações de segundos e se desenvolveu em progressão intergaláctica. Criou novas tecnologias, e não há dúvida de que, sem o acesso a novidades como o WhatsApp, a humanidade não teria conseguido sobreviver a momentos dramáticos, como a pandemia da Covid-19.
O que seria de nós, confinados dentro de casa, sem a possibilidade de se comunicar com parentes e amigos? Viraríamos milhões de loucos? Geraríamos um gigantesco projeto de suicídio coletivo?
A internet criou muita coisa boa, mas, com o passar do tempo, criou também aquilo que está sendo chamado hoje de “a era das trevas digitais”. No nosso dia a dia proliferam pelo mundo fake news com espúrios interesses políticos. Tenta-se destruir o jornalismo de qualidade, chamando-o de lixo. Confunde-se o combate às notícias falsas com censura. Grosserias se repetem nas redes sociais, muitas vezes protegidas pela covardia do anonimato. Pessoas cometem gestos de descabida e constrangedora evasão de intimidade em Facebook e Instagram.
Pensadores como o escritor italiano Umberto Eco afirmam que a internet deu voz aos imbecis, e o Twitter é visto hoje, pela maioria da intelectualidade, como o esgoto das redes sociais. Claro que existem aqueles que se contrapõem a essas sandices da internet em geral. O restaurante Cipriani de Nova York, num gesto de fina ironia, colocou uma frase no final de seus cardápios que diz:
—Informamos que a utilização do telefone celular interfere na preparação do risoto.
Nesse manicômio administrado pelos próprios loucos que virou o mundo digital, uma das maiores vítimas é a publicidade. Com o encolhimento da mídia de qualidade, sua mola propulsora, a publicidade no mundo inteiro vive seu momento de maior decadência criativa.
A publicidade brasileira, que, a partir dos anos 1980, se transformou numa das três melhores do mundo, graças à qualidade de nossos veículos de comunicação, hoje, com muitos deles fragilizados, também se fragilizou. A obsessão pelos números sobrepujou o universo das ideias.
E publicitários, às vezes por desconhecimento e outras vezes para puxar o saco de seus clientes, fazem o jogo do contente, argumentando que são novos tempos, em que o que importa mesmo é a mensuração de resultados. Mensurar que resultados, se sem a criatividade eles não acontecem?
Vamos esperar terminar esse porre gigantesco que está sendo a era das trevas digitais. O tempo passará e, mais dia, menos dia, todos acordarão conscientes de que o melhor dos mundos é aquele onde se misturam on-line e off-line, com cultura e bom senso. Grandes talentos com grandes negócios. Basicamente é isso.
O resto é algoritmo.