Chegou a hora de os ilustres representantes enfrentarem o povo, em vez de lhe virarem as costas.
O senador Romário Farias (PSB-RJ) nasceu e foi criado na Vila da Penha, subúrbio da Zona Norte do Rio de Janeiro, mas não tem de lutar para sobreviver como vários amigos de infância. Graças ao talento inato no trato da bola de couro e seu faro de goleador, tornou-se famoso desde a adolescência e chegou à maturidade bafejado pela glória e pela fortuna. Ficou milionário honestamente, assinando contratos com grandes times de futebol da Holanda e da Espanha. Foi ídolo em Barcelona, sede do time mais rico e um dos mais vezes campeões no país e no mundo hoje.
Agora, o Baixinho quer ser prefeito de sua cidade de São Sebastião do Rio do Janeiro, com todos os melhores motivos que qualquer cidadão poderia ter. Foi ídolo nos dois times de massa de lá: o Vasco, primeiro, e, depois, por várias vezes, o rival Flamengo. Ou seja, seus gols foram comemorados pela maior torcida do País e a segunda maior do Rio. Foi rei no Maracanã, antes da reforma para a Copa o maior estádio do mundo. Elegeu-se senador com um ponto porcentual a menos do que o apoio do povo ao impeachment de Dilma (62,4%), 63,4% dos votos fluminenses pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), a que se filiou depois que o presidente nacional, Eduardo Campos, prometeu que teria sua legenda para disputar a prefeitura carioca.
Em 11 de junho, votou no Senado pela abertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff e agora, que se diz indeciso sobre o voto no julgamento definitivo da volta dela ao posto, foi fotografado à mesa de um restaurante com o deputado Sílvio Costa (PTdoB/PE). Este ganhou renome nacional ao participar do golpe grotesco com que os adeptos da “presidenta” tentaram interromper seu impedimento enchendo as veias do presidente ainda provisório da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), de álcool para convencê-lo a retirar do Senado a decisão de 367 dentre 512 colegas de mandar o processo seguir adiante.
As especulações de Brasília dão conta de seu apetite por cargos para os quais quer indicar cabos eleitorais. Se não conseguir o que exige, terá coragem de enfrentar os 62,4% dos brasileiros que não suportam mais Dilma. Tudo pode ser fofoca, mas até agora o goleador adorado pelas duas grandes e apaixonadas torcidas rivais e hostis não se dignou a dizer uma palavra sobre elas. Logo agora, que seu nome foi citado em delação na Lava Jato como destinatário de uma propina de R$ 100 mil roubados da Petrobrás. O “pixuleco” equivale à premiação por um dos muitos títulos que ele conquistou com os pés na Europa ou no Brasil. Por que expõe assim sua glória em troca de um quinhão tão modesto que nada acrescenta à fortuna que amealhou legalmente? – é a pergunta que não quer calar.
Ele pode até, como muitos outros, dizer que a doação foi legal e está devidamente registrada na Justiça Eleitoral. Se a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF), com aprovação do juiz Sérgio Moro, contudo, encontrarem provas do que o delator contou, então, ele poderá ficar em situação idêntica àquela em que ficarão vários colegas de seu novo ofício: a de ter usado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como lavanderia de doação suja, pretexto para limpar dinheiro ilícito. Isso não faria bem à imagem de malandro esperto de que ele tanto se orgulha. Afinal, canta Benjor, “malandro que é malandro não bobeia”, não se deixa apanhar.
Seu caso é similar ao de Cláudia Cruz, cujo currículo de apresentadora de televisão lhe teria permitido uma sobrevivência decente e confortável, se não tivesse seguido outros caminhos rumo a uma vida de luxo e riqueza, imitando a oponente da heroína do samba Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago, aquela que só queria saber de luxo e riqueza. Recente revelação, feita pela força-tarefa da Operação Lava Jato, cujo comandante, o juiz federal Sérgio Moro, a tornou ré por corrupção e lavagem de dinheiro, fez dela o rosto mais bonito, mas também mais perverso, do luxo bandido. Foi acusada de gastar R$ 1 milhão em quinquilharias de grife com recursos obtidos pelo marido, o político Eduardo Cunha, em transações tenebrosas, de acordo com instituições como a PF, o MPF e a Justiça Federal. Os belos olhos claros arregalados, que exibe em fotos nos meios de comunicação, simbolizam a cobiça exagerada com que participou do saque feito por uma organização criminosa de chefões partidários que assaltaram os cofres públicos de um país pobre levado à miséria pelo despautério de quem roubou dos pobres para propiciar a seus sócios e frequentadores de suas festas a ostentação de joias caras, bolsas de marca, perfumes caros e vinhos das safras mais raras servidos em banquetes opíparos.
Cláudia Cruz e Romário Farias estão no mesmo lado da fotografia crua da feiura da política brasileira hoje. Não há lógica que explique as artimanhas com que o deputado Eduardo Cunha tenta esconder suas peripécias financeiras. E também não há ingênuo que acredite na troca do voto pelo impeachment por um cargo na máquina pública como a justificativa de civismo ou de préstimo à cidadania. Cargos públicos são disputados apenas para permitir acesso à chave do cofre da viúva, que permite lançar mão de recursos para bancar o preço alto do custo das facilidades que pagam as dificuldades criadas nas negociações políticas de vantagens e desvantagens.
Romário nunca foi eletricista na vida para justificar sua indicação de algum técnico probo e competente para ocupar uma diretoria em Furnas. A propina que ele é acusado de ter recebido da Petrobrás não compensa as noites insones que terá de passar na busca infindável de desculpas esfarrapadas para negar evidências que, mais cedo ou mais tarde, surgirão a lume e que os policiais, procuradores, juiz e ministros dos tribunais superiores terão de conseguir e avaliar no futuro próximo ou distante.
A favor de Romário é possível dizer que tem a seu lado gente muito ilustre e de boa fama. Cristovam Buarque, que deixou o PT, porque foi demitido pelo telefone por Lulinha da Silva do Ministério da Educação, e o PDT para ser candidato a presidente pelo PPS, não fala bem da própria inteligência ao visitar quatro vezes a afastada Rousseff no Palácio da Alvorada. José Maranhão, resistente à ditadura militar na esquerda do PMDB, pediu desculpas a seus eleitores na Paraíba por ter apoiado Dilma em duas disputas presidenciais, depois de votar pelo afastamento dela para responder a processo, acusada de crimes graves contra a responsabilidade fiscal. E agora se alista entre os que não querem dizer como votarão no processo final no Placar do Estadão. O que ele terá de fazer, então, para exigir de volta as desculpas que pediu?
Esse panorama, visto da ponte do castelo, configura na Pátria desfigurada a virada do “tô nem aí” dos indiferentes para o “dane-se o povo” dos que ainda não perceberam que virar as costas para a multidão de empregados falidos e trabalhadores desempregados é uma mácula que não ornará seus currículos. E um erro pelo que terão de responder no futuro, caso a aventura de apostar na treva os prive da luz.
José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor