Frente à voracidade do momento pré-eleitoral, o desgaste é exaustivo e estamos todos cansados, implicados em uma guerra trituradora da pouca paciência que nos resta. A polarização populista frusta possibilidades construtivas e os dias se arrastam até a decisão. Mas sempre foi assim, perguntei-me um tanto inquieto. Fora de períodos eleitorais como se teciam as críticas políticas? É claro que sempre existiram discursos nevrálgicos, mas como poderia recuperá-los, com que critérios? Imediatamente uma enxurrada de tipos caricatos desfilaram indicando encaminhamentos mais sutis do que vemos agora. Foi assim que me lembrei de menções à minha cidade, Taubaté, no estado de São Paulo. Evoquei saudade, rememorei espaços de convívio e, naturalmente, a sensação de tempo tranquilo me envolveu. Mas o que teria isso a ver com política?
Mais estímulos e provocações. Imediatamente, duas figuras hilárias me vieram à cabeça. Uma, “Neide Taubaté” criada e vivida pelo saudoso Chico Anysio entre 1981 e 82. Outro tipo igualmente popularizado, a “Velhinha de Taubaté”, criação muito quista, sobrevivente no imaginário brasileiro, cunhada por Luiz Fernando Verissimo em 2005. Resolvi retomar os dois casos e entender por que Taubaté serviria como pretexto de crítica política.
Velhinha de Taubaté, representaria o conservadorismo do Vale?
Chico Anysio se destacou pela profusão de personagens, cerca de 210, caracterizações que ele mesmo assumia e, em muitos casos, como na “Escolinha do Professor Raymundo”, dialogava com outras figuras promovendo interlocuções sempre no limite da análise de costumes, da moral ou da política. É fácil aquilatar porque se deu o sucesso da espevitada Salomé, destaque entre tantas personagens femininos. “Salomé” (Salomé Maria Anunciação), apresentada em 1979 foi, sem dúvida, sua mais completa personagem política. Com roupas à moda antiga, irretocável nos detalhes, principalmente nos incontidos telefonemas informais a um tal João Batista, ex-aluno, a senhorinha delicada e com trejeitos inocentes, mandava recados impensáveis em outra chave. E sabe-se que o próprio Presidente Figueiredo, o tal João Batista, apreciava a encenação e, mesmo podendo, não censurou o quadro.
Mas, e nossa “Neyde Taubaté”? “Neyde” sucedeu a “Salomé” que, diga-se, perdeu sentido no andamento da Abertura Política. “Neide” era uma apresentadora de televisão que, pretensamente elegantíssima e toda cheia de joias, com olhares maliciosos, desafiava debates sobre temas gerais, todos sempre arriscados. Na realidade, a provocante “Neide” era simulacro de Hebe Camargo, então apresentadora da TV, vinda do interior… de Taubaté. Dona de ardilosa combinação de simpatia com pitada de maldade, “Neide” refletia características de uma nova rica, capaz de ser crítica, mas contida no limite. Sem muitas explicações, depois de muito sucesso, “Neyde Taubaté” foi substituída na dinâmica das criações de Chico Anysio. Foi, mas deixou saudade.
A nova rica poderia ser nossa Hebe Camargo?
Ainda mais exuberante e perturbadora foi a “Velhinha de Taubaté” criada por Verissimo, já consagrado cronista. Com presença intermitente, entre 1979 e1985, a deliciosa senhora mostrava-se a última crente em tudo: propaganda, fofocas, sermões e, principalmente, no governo federal que ela defendia com unhas e dentes. Exatamente situada no momento da Abertura política, a “Velhinha” seria o esteio das crenças conservadoras propaladas pela nova política que, contudo, acabaram no “mensalão”.
Como seria de se esperar, para nós taubateanos, caberia perguntar agudamente: mas por que Taubaté? Seríamos nós, habitantes da tão aprazível cidade do Vale do Paraíba Paulista, metáfora de conformismo acrítico, depositários de créditos políticos inquestionáveis? Por que Taubaté? Há várias explicações paralelas. Uma diz que é meramente por conta da sonoridade, com ênfase na final “é” (de Taubaté). Pouco convincente, outras possibilidades foram aventadas. Com eloquência, a mais convincente reza serem as letras iniciais “VT” o reverso de “TV”, pois a dita senhora não saia de frente da televisão e pela TV se fez VT.
Quem seria o João Batista com quem Salomé tanto conversava?
Fato inconteste é que nossa “velhinha” cativou o Brasil de ponta a ponta. Todo mundo falava dela, zombando de sua ingenuidade e constância irretocáveis. Alguma coisa deve ter acontecido pois Veríssimo, em 1985, teria se cansado da caracterização e resolveu “matar” a amadíssima senhora. Foi uma celeuma nacional, houve protestos. O fato concreto, contudo, revelado pelo cronista dizia que “ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio”. Suicídio ou desilusão. Desilusão política?
Sabe, fico pensando neste nosso momento, particularmente para meus conterrâneos, e assim questiono: o que herdamos?! Afinal, estamos mais para “Neide”, ou ainda guardamos memória da “Velhinha”? “Neide Taubaté” ou “velhinha de Taubaté, eis a questão.