A derrota anunciada de Guilherme Boulos poderá marcar o início de um novo tempo. Nunca é tarde demais. Mas insistir nos erros e fracassos pode ser um grave sintoma de burrice política. Pablo Marçal pode ajudar a encontrar novos rumos. Tomara que os novos rumos não sejam apenas um traque.

               A semana que antecede o segundo turno na eleição paulistana traz um alerta com uma pergunta espinhosa: será que não teria chegado atrasada a autocrítica ensaiada por Boulos quando afirmou: “Nós não dialogamos com um setor importante dos trabalhadores (…) a esquerda “deixou de falar” com eleitores que desistiram do emprego formal para “buscar sua prosperidade de outra forma, por conta própria”. “Na ausência de diálogo com este segmento, a extrema direita ocupou o espaço” (Bernardo Mello Franco, O Globo 20 outubro)

Os sintomas detectados desde as eleições de 2016 eram tão evidentes que as cabeças mais pensantes do Partido dos Trabalhadores aprovaram a realização da pesquisa “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo” pela Fundação Perseu Abramo. O mundo mudou. Os conceitos marxistas como luta de classes, proletariado, entre outros precisam ser atualizados. A base social da esquerda não é mais formada por operários da grande indústria.

           Antonio Gramsci virou leitura obrigatória para os militares golpista

                Os segmentos militares golpistas se preparam para os novos tempos desde que foi tomada a decisão de entregar o governo para os civis. Já existe vasta literatura que mostra como os ideólogos da caserna passaram a estudar teóricos marxistas. Antonio Gramsci provavelmente é o mais estudado, principalmente a parte que se refere ao papel do Estado nas sociedades ocidentais e o papel de suas instituições culturais para conservar o poder. O falecido Olavo de Carvalho elegeu o italiano como o maior perigo para o que chamava de forças democráticas.

As conclusões da Fundação Perseu Abramo em 2017 alertavam os petistas para uma transformação em sua base social. A “ideologia do mérito” e a teologia da prosperidade propagadas pela grande mídia e por pastores evangélicos haviam vencido aquela batalha. A luta de classes foi reduzida ao confronto entre Estado e cidadão e deixado de ser entre ricos e pobres, entre capital e trabalho.

             Ortiz Jr e Sérgio Victor, que reproduz o M exibido pelo coach derrotado em Sampa

                 A pregação liberal teria seduzido trabalhadores autônomos ou precários, que passavam a se identificar como empreendedores. Prevalece o discurso propagado pelas elites e pelas classes médias apontando a burocracia e os altos impostos como empecilhos ao empreendedorismo. Esse mantra é repetido ad nauseam. A esquerda não tomou conhecimento. Prevaleceu a ortodoxia dogmática. O impeachment de Dilma e a prisão de Lula podem e devem ter contribuído para a ausência de avaliações mais consistentes. Mas a extrema direita não deu folga.

Venceu a lógica individualista que move o sonho de enriquecer, a ascensão social à disciplina e à força de vontade. Conceitos de políticas públicas foram postos de lado porque o público deixou de ser o que pertence a todos e o que é gratuito é de má qualidade.

A pesquisa foi além ao sugerir que, sem abrir mão de seus valores, a esquerda precisava “produzir narrativas mais consistentes e menos maniqueístas ou pejorativas” sobre temas como família, religião e segurança. Bingo! Só que o aviso de 2017 de nada serviu para entender a eleição de 2024. Marçal, por acaso, ficou fora do segundo turno na capital, mas promete disputar a presidência de 2026, enquanto seus seguidores repetem seu discurso em outros centros como Taubaté.

     Márcia Elisa do PL com Bolsonaro, derrotados pelo representante do coach

             Em Sampa, o candidato que vende cursos sobre a “arte de prosperar” faturou 28% dos votos. É improvável que Boulos consiga se aproximar dos eleitores do coach com promessas de última hora, como a isenção de rodízio para motoristas de aplicativo.

Em Taubaté, o seguidor do coach derrotou a candidata abençoada pelo ex-presidente e pelo presidente de seu partido, o PL, e transformou a eleição em disputa entre dois candidatos da mesma cepa. As divergências aparentam ser frutos de vaidades pessoais do que disputas políticas sérias e consistentes. Nada mais.

Oremos!!!