Tenho repetido que, para mim, envelhecer é chato. Muito chato, aliás. Demais. Não que me preocupe com a aparência, com detalhes vaidosos ou cuidados com o físico. Nada. Fui aos poucos me despojando de certos tiques da moda, e com isso aprendi as delícias da pouca roupa no armário, dos chinelos de dedo, das bermudas em dias de calor e dos moletons no frio. Mas, muito mais do que dispensar o tributo à eterna juventude ou obediência às regras formais dos costumes, fui constatando que o corpo se rende, inevitavelmente, aos imperativos do tempo. Isso pode parecer óbvio, não obstante, quando da vã idealização filosófica se passa à rudeza da prática, a novidade deixa ser pregão e se impõe exigindo reposicionamentos. O pior me parece é ter que se adaptar, queira-se ou não. Os deliciosos churrascos, as frituras de camarões graúdos, as bebidinhas tão apreciadas, tudo enfim, tem que ser comedido, passado por exames de conveniência e ter os efeitos premeditados. Nos homens, caem-se os cabelos, a barriga anuncia progressos, os músculos cedem e a pele não admite outras verdades que não as rugas. Quando vejo amigos de infância que por distantes deixaram minha memória repousar no passado, fico bestificado ao ver os estragos. Sinto mesmo o peso dos anos quando olho para os “velhos companheiros” e entendo o significado do termo antiguidade.
Drummond viveu todos os momentos e registrou o carma do idoso
Há um imponderável da modernidade que complica ainda mais a trajetória que leva à morte natural: o culto à beleza vista como sinônimo da juventude. E, como historiador, até sinto saudade de um passado que me foi roubado, de um tempo em que a velhice era respeitada, sinônimo de sabedoria e de poder. Quando aquilato o valor simbólico do velho atualmente, vejo que ele só se afigura importante se gerar consumo, mercado, motivo capitalista. E, confesso, mesmo os convenientes debates sobre a Reforma da Previdência nos colocam como peso, pois a ampliação de nossa longevidade passa a valer como ameaça para o futuro da nação. Isso é muito triste. Tristíssimo. E nem adianta dizer que ganhamos liberdade, direitos, autonomia. Nada. Adoecemos, as dores nos atormentam, as farmácias passam a constar de nossos roteiros de saídas e os decantados descansos têm que ser tão planejados que muitas vezes nem vale a pena sair de casa. E não me venham com piqueniques imaginários, com bailinhos onde sorridentes anciãos mostram suas novas dentaduras. Nem falem repousantes sessões de cinema ou teatro, pois antes de irmos a esses logradouros precisamos saber se têm elevadores, corrimãos e… banheiros. Ah, os banheiros da “melhor idade”…
O ciclo inexorável do ser humano
Outro detalhe perturbador é que nosso envelhecimento é também problema para os outros, questão social, pois afinal, temos que pensar em quem cuidará de nós na sequência natural das coisas. Filhos, netos, noras, parentes próximos ou distantes, prestadores de serviços especializados, todos devem ser considerados, mas o pior é que em tantos casos deixamos de ser donos das escolhas. E estão aí os dados que não nos permitem ilusões. Compúnhamos, até 2008, um time cuja população acima dos 65 anos perfazia 6,53 por cento da população. Diz o IBGE que por volta de 2050 chegaremos a 22,71 por cento. Viramos, portanto, ameaça inevitável. Como “problema”, nossa idade ganhou foros judicial. Desde 2003 temos até um “Estatuto do Idoso” que nos garante direitos que, contudo, passam a ser ameaçados. Diz o Instituto de Pesquisas Aplicadas que as tais “prioridades” devem passar do limite de 60 anos para 65. E como se fossemos intimidação fatal, há setores que falam já em 80 anos.
Não pensem que esgotei a ladainha das evocações ameaçadoras. Talvez a mais perversa consequência do envelhecimento seja a vulnerabilidade. Sim, queiramos ou não caminhamos para a dependência dos outros. Atos falhos, perda de memória, dificuldades de locomoção e incapacidade de administrar a própria vida nos tornam reféns da família, dos amigos, da assistência pública. Em seus mais enviesados atalhos, passamos a ser submetidos à justiça, à caridade, à paciência e às políticas públicas. E, por pior que possa parecer, decai conosco a dignidade altiva. Dói dizer, mas envelhecer é ruim.
Pelo andar da carruagem, nossos filhos e netos terão muito trabalho
Ouvi dizer que a pessoa que vai viver 200 anos já nasceu. Constato a propalada melhoria das condições físicas dos idosos, mas por mais que ampliemos o prazo de nossa validade na terra, seremos, de um ou de outro jeito, por mais ou menos tempo, envelhecentes. Que a paz, pois, esteja conosco.