Em abril de 1999, o mundo se assustava com uma notícia que parecia ficção, coisa de filme de terror. Na pequena cidade de Columbine, no estado norte-americano do Colorado, dois jovens invadiram uma escola provocando 15 mortes. Essa tragedia até então parecia algo distante ainda que plausível naquele contexto em que as armas são liberadas e pessoas transitam com espingardas e revolveres à mostra. Para nós era algo exótico, coisa de estrangeiro, impensável numa cultura que se dizia sem violência e afável, onde a educação decorreria do exercício evolutivo do convívio dialógico.
Como um fantasma sutil, aos poucos, a cena de lá foi se instalando entre nós encontrando um Brasil despreparado para entender o fenômeno. De repente, vimo-nos refletidos em um espelho tétrico e passamos a viver um dilema esdrúxulo: o que acontece lá ecoaria aqui? Haveria nexos causais comuns? Como explicar similitudes e medir diferenças? Estas e outras questões têm se multiplicado, desafiando o entendimento dos ataques que alvejam alunos, crianças e jovens, professores e funcionários.
Partamos da negativa: não! Não é porque ocorre nos Estados Unidos que deveria acontecer aqui. Nada a ver. Impulsos distintos motivam ataques, e em continuidade vale lembrar que agressões às escolas têm motivações distintas de outras contra igrejas, clubes, hospitais. Fator complementar a ser levado em conta é que até 28 de outubro de 2002, jamais houve qualquer ataque a escola brasileira. Foi em Salvador, Bahia, que se deu o primeiro destaque fatídico quando então um adolescente de 17 anos invadiu um colégio e disparou quatro tiros matando uma aluna e ferindo outra. Esse lamentável registro valeu como alerta colocando em xeque a concepção de escola como lugar seguro.
E daí cresceram as estatísticas, triste inventário de uma realidade para lá de cruel. Em 2011, por exemplo, os jornais divulgavam que naquele ano o Brasil tinha registrado 10 ataques a escolas. Com a assinatura da violência, outro dado alarmante lembrava que somente em 2022 e 2023 (ainda em curso) os números superaram o total registrado em duas décadas. No início do ano, tivemos casos como o ataque executado por um ex-aluno, da escola Monte Mor, de São Paulo, feito com bomba caseira; logo em seguida, também em São Paulo, outro menino de 13 anos matou uma professora e feriu quatro alunos; aos 28 de março, no Rio de Janeiro, outro ataque a faca e dramática ofensiva à creche em Santa Catarina, e, ainda em Blumenau, Santa Catarina, um homem invadiu uma creche e matou quatro crianças com uma machadinha.
Seria dispensável listar casos que replicam detalhes de uma violência que precisa ser vista sob o signo de motivações complexas. É fácil mostrar que esses acontecimentos têm ocorrido também fora do Brasil, mas isto não explica nossa realidade e se não prestarmos atenção nos impulsos derivados de nosso contexto acabaremos por adotar medidas de prevenção que podem fazer sentido alhures. É lógico que há semelhanças, mas são as diferenças que devem orientar nossas políticas públicas.
Não resta dúvidas que cá como acolá a comoção tome conta do entorno sempre machucado pelas agressões. Também é comum a suposição de motivos pessoais como vingança ou bullying, mas, sem dúvidas, as limitações brasileiras ao uso de armas de fogo é elemento explicativo para alternativas, em particular com armas brancas. Talvez a diferença mais significativa se dê em função dos impulsos políticos que lá determinam mais claramente os ataques feitos, quase sempre, por rebeldia ou motivação ideológica extremada.
Recentemente, entre nós, uma corrente ganha força: o uso de portões com guardas que, supostamente, intimidariam os agressores. Mesmo levando-se em conta a relativa eficácia dessas medidas, há segmentos que se posicionam contra por questões filosóficas: escola é lugar de diálogo, de troca de experiências educacionais, de aprendizagem e não de intimidação. E nesses contextos não cabem vigias e aparatos que, além de reafirmar a continuidade dos atos invasivos, anulam o propósito da educação. O governo passado implantou, com enormes gastos, uma série de escolas chamadas “cívico-militares” onde um contingente com treinamento policialesco compartilha a atividade institucional. Despreparados para o trato com protocolos da educação escolar, sem tirocínio algum, a simples presenças desses tipos compromete liberdades civis e limitam direitos dos estudantes. A implantação de comportamentos autoritários propõe uma hierarquização de obediência pela força e não pelo convencimento democrático e dialógico. Sobretudo, tais condutas arrasam a formação do pensamento crítico.
E há comprometimento com o currículo que passaria a focar mais disciplinas seletivas em detrimento de olhares humanísticos. Os uniformes propostos anulariam características diferenciais e exaltações patrioteiras substituiriam argumentos depurados. Tudo em favor de uma disciplina imposta e não conquistada. Há ainda um fator fundamental: a excludência, pois as tais escolas não admitem estudantes que não sejam selecionados por critérios de aptidão. E os outros? pergunta-se. Vamos pensar juntos e deixar claro, como ponto de partida, que escola não é quartel e que alunos não são soldados. Viva a escola pública, crítica e de qualidade.