Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell na Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho de 1968
Eva Wilma foi minha primeira namorada e eu não terei ciúme se outros tantos, neste momento em que choramos a sua morte, revelarem que também foi com ela a iniciação sentimental de cada um, aquele brotinho maroto que pelo tubo da televisão mandava uma piscadela com o aviso fundamental – o amor pode ser uma coisa leve, divertida, e se não for assim é hora de esperar um outro capítulo e tentar que assim o seja.
Eu era um garoto que dessa matéria não sabia muito além do narrado por Cely Campelo em “Estúpido cupido”, e era o que eu entendia quando via pela televisão as trapalhadas românticas de Eva Wilma com John Herbert em “Alô, doçura”. Amar não era só o derramamento de lágrimas com que se debulhava minha mãe, vítima das novelas sombrias da Rádio Nacional. Aquelas histórias da TV Tupi aproximavam de maneira inédita o amor com humor. “Dor” começava a ser uma rima exclusiva do samba-canção.
O Brasil perdeu essa guerreira e atriz de primeira grandeza
Foi no tempo do merthiolate e do mercurocromo, remédios que curavam todas as feridas do corpo, mas contra as da alma não havia emplastro ou biotômico que aplacasse os males do abandono ou da traição – e lá se ia o amor em decúbito dorsal, banhado em formicida com guaraná. Amar era uma tragédia sem fim. A Luta Democrática vendia mais quando a manchete era crime passional. Em meio a esse horror eu vivia a felicidade de namorar Eva Wilma, numa casinha de sapê a poucos quilômetros de distância do curtume onde a Fera da Penha tacava fogo na filha do amante que a abandonara.
Feliz do país que teve a modernidade amorosa divulgada na televisão pela vivacidade serelepe de Eva Wilma, uma mulher que aos meus olhinhos infantis parecia ter no toucador toda a linha de produtos mais avançados da cosmética feminina, usar Pond’s para amaciar a cútis, Cilion para fortalecer os cílios e evidentemente não lhe faltavam os poderes de perfume embriagador do trio maravilhoso (talco, sabonete e colônia) Regina.
Eva Wilma foi casada com John Herbert com quem teve dois filhos
Eu seria desonesto se não confessasse que naqueles mesmos ano eu flertava com as certinhas do Lalau, as garotas do Alceu, as normalistas do Instituto de Educação, as vedetes do Carlos Machado e especialmente com Rose Rondelli, a Miss Campeonato da Rádio Mayrink Veiga. Mas era só pulsação sexual. Eva Wilma, embora bonita, seduzia por outros valores que não os da garota enxuta. Tinha um quê de esperteza no jeito de aturar o machismo do John Herbert, demonstrava em cena um it que para sempre me seria irresistível – o das mulheres que zombavam, naquele momento ainda de soslaio, com um sorrisinho no canto da boca, de uma sociedade ridiculamente patriarcal e televisamente representada pelo seriado “Papai sabe tudo”.
Em minha foto preferida Eva Wilma não está num estúdio de televisão ou num palco de teatro, mas no meio da rua, no papel de apenas mais uma mulher brasileira. É aquela em que aparece na passeata dos cem mil, em junho de 1968, e forma de mãos dadas com Leila Diniz, Norma Bengel e Tônia Carrero, uma comissão de frente do protesto contra a ditadura militar. Estão todas de minissaia, absolutamente irresistíveis e poderosas, marchando contra a caretice e a opressão. Foi uma grande atriz e, discretamente, sem discurso, na vida real afirmou a força das pautas femininas. Eva Wilma morre num momento em que os jornais vão republicar aquela foto e a atualidade das faixas contra a censura, pedindo liberdade, é de arrepiar.