Pronto, resolvi contar; decidi por tudo em pratos limpos. Sim, optei por fazer público o meu amor desbragado, agora incontido. E não poderia ser de outro jeito até porque não aguento mais: ando apaixonado pela Fernanda Montenegro. Pronto, disse! Na verdade, estou caído de paixão e é desses crescentes, progressivos, esparramados, loucos, coisa de novela (pode ser de peça de teatro ou de filme também, mas com roteiro romântico e final feliz). Sei que esse meu romance maduro (não quero dizer “da terceira idade”) pode parecer devaneio ou delírio, mas, tenham certeza, é a minha “mais completa tradução”, como concluiu Caetano depois de saber do caso.
O pior deste roteiro é que ela (a minha Fernanda) não tem a mais vaga ideia de meu dolente padecimento, condição que me faz declinar flashs dessa história digna dos maiores textos da literatura mundial. Faz tempo que, na surdina dos arrebatados, troco com ela afetos desdobrados, quase telúricos. Tudo é muito secreto, plural em sussurros íntimos como, aliás, convém aos amores lastreados por mistérios dolorosos e gozosos. Tudo, tudo na maior intimidade, selado na confidência de mim comigo mesmo. E tenho calafrios, febres, vertigens…
A musa de Sebe em 1965
Ah, sou dono de sonhos que nem os conto, por incontáveis (por favor, não deixem de consignar a polissemia do “contar”). Esse meu caso é tão feiticeiro, mas tão bruxo, que anula lógicas temporais ou de espaços. Nessa demência castiça, tudo se torna presente e imediato, confundindo-me na dimensão de memórias excêntricas, pontilhadas por afáveis vagabundeios. Assim, flanando, me coroo soberano de um reino de fantasias desatinadas, belíssimas, benditas, mas com sofreguidões.
Cá e lá sigo segredando este meu caso e, juro, foi depois de uma dessas conversas que Vinícius se juntou a Tom Jobim concluindo, pensando em mim (ou em nós), que “todo grande amor só é bem grande se for triste”. Acho que é preciso detalhar minha ambiguidade, vamos lá: a agonia desse meu ardor está impregnada a tal ponto que Herivelto Martins e David Nasser cancionaram palavras que me esgotam em pedidos aos céus “(Fernanda) me deixe ao menos, por favor, pensar em Deus”.
O inesquecível Adoniran: “fiz uma aliança pra ela, prova de carinho”
Outro dia, creiam, por acaso ouvia os Demônios da Garoa e achei minguado o sacrifício pontuado por Adoniran Barbosa declamando que “com a corda mi do meu cavaquinho, fiz uma aliança pra ela, prova de carinho”. Achei pouco. Dorival Caymmi me entendeu melhor ao cantar por mim que “só louco amou como eu amei” e nominou meu coração “insensato”, insistindo, cúmplice, que “de amor para entender é preciso amar”. Agradeci.
Sabe, parceiro mesmo, ombro amigo de verdade, foi Chico Buarque que me explicou revelando porque “rompi com o mundo, queimei meus navios” e testemunhou minha suplica “(Fernanda) me diga agora pra onde é que posso ir?”. Este meu caso é de amor tão único que, afinal, verseja a diva com a perfeição antevista por Luiz Vieira depois de ouvir minhas loas “você é isso, uma beleza imensa, toda recompensa de um amor sem fim”. E não poderia ser de outro jeito, pois ela é mesmo “uma nuvem calma, no céu de minh’alma, é ternura em mim”.
Mário Lago: “covarde sei que me podem chamar”
Tudo junto na vulgaridade da rima “amor e dor”. Sinto que serei compreendido por alguns leitores complacentes, sabedores da defesa que Mário Lago fez de mim ao musicar “covarde sei que me podem chamar porque não calo no peito essa dor, atire a primeira pedra, ai, ai, aquele que não sofreu por amor” e amarrou meu dilema garantindo “eu sei que vão censurar meu proceder… mas não faz mal, você (minha Fernanda) pode até sorrir”, mas eu te peço querida, além do indulto desta declaração, deixe-me continuar te amando “por toda a minha vida”…