Justiça brasileira tem muitas cabeças para muitas sentenças
Em atendimento a pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, exigiu do juiz da 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, Sérgio Moro, explicações sobre sua decisão de permitir a divulgação de gravação telefônica em que a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor foram claramente flagrados em tentativa de obstruir a Justiça. Como todo brasileiro se lembra, Dilma deu instruções ao padrinho e protetor para assinar a própria nomeação para a Casa Civil e assim evitar vir a ser preso no âmbito de investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná e Estadual de São Paulo (MP-SP). A simples enumeração que acaba de ser feita dá uma ideia das suspeitas que correm em inquéritos policiais sobre o indigitado cidadão, cujos melindres tanto preocupam o justiceiro-mor de Pindorama.
Lula e Dilma trocaram perigosas confidências
O responsável no Judiciário pela Operação Lava Jato teve, então, todas as razões do mundo para levar a conhecimento da Nação a nauseabunda conspirata. No entanto, a defesa de Lula e o presidente do Supremo acham que o juiz persegue o ex-presidente e se baseiam em dois detalhes formais: a hora do encerramento da autorização judicial dada para a gravação do telefonema e o fato de a interlocutora ter direito a foro privilegiado garantido pela Constituição. Com isso assedia moralmente não os dois protagonistas da clara obstrução da Justiça, mas o juiz que comanda as investigações do maior escândalo de corrupção da História da humanidade, ocorrido nos governos da República presididos pelos interlocutores no suspeitíssimo telefonema.
Moro não tinha ainda respondido à interpelação e Lewandowski já protagonizava outra ocorrência que em nada lustra sua biografia. O secretário da Segurança do STF, Murilo Maia Herz, ou seja, seu subordinado, encaminhou à Polícia Federal (PF) solicitação para investigar Carla Zambelli, líder do movimento Nas Ruas, por ela ter passeado na Avenida Paulista, em São Paulo, com dois bonecos infláveis. Um é Petralowski, junção de petralha, denominação pejorativa criada pelo colega Reinaldo Azevedo para associar os termos petista e patrulha, com o sobrenome de origem polonesa do magistrado número um da República. E o outro, Enganô, referência ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo o dedicado assecla dos chefões do Judiciário e do Ministério Público manifestou no ofício, “tais manifestações representam grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao Estado Democrático de Direito, qual seja, o Poder Judiciário, com o potencial de colocar em risco — sobretudo se forem reiteradas — o seu próprio funcionamento”. Dilma recebeu arruaceiros no Palácio do Planalto e eles disseram que iriam pegar em armas, por fogo no país e invadir propriedades. Qual foi a reação de Lewandowski? No Carnaval, a equipe da quadrilha abençoada pelo PT foi objeto de todo tipo de crítica e piadas e o melindrado Ricardo Lewandowski nada fez. Dilma, Lula e o garboso Cardoso xingaram os 11 Ministros do STF, 367deputados e 55 senadores, mas o guardião da Constituição Ricardo Lewandowski nem reclamou. Nas redes sociais, esses topetudos machões são atacados constantemente e não reagem. Nem eles nem o secretário de Segurança do Supremo. Ou reagem e ninguém sabe? Só na calada da noite… É?
Até tu decano?
Tudo isso ocorre no instante em que o STF se mobiliza em clara defesa de antiga reivindicação de advogados de empreiteiros acusados de corrupção e grã-finos de várias estirpes para modificar, a qualquer custo, decisão na qual proposta de um dos membros da Suprema Corte, Luiz Roberto Barroso, corrigiu, por 7 a 4 vencidos (Lewandowski, Celso de Mello, Rosa Weber e Marco Aurélio Melo), jabuticaba apodrecida e marota segundo a qual no Brasil, e apenas no Brasil entre países civilizados, condenados só eram levados à cela para cumprir pena depois de julgados todos os recursos. Desde a decisão sábia, justa e histórica, os juízes podem mandar prender qualquer acusado que tenha sido condenado em decisão colegiada (a partir da segunda instância).
Mas, na semana passada, Marco Aurélio tentou passar por cima da maioria agendando uma ação sob sua relatoria em que tentaria reverter a derrota anterior. Foi obrigado a adiar a sessão ao se dar conta de que os quatro seriam mais uma vez derrotados pelos sete – o que se pode chamar de primado da simples aritmética euclidiana.
E na mesma direção o decano Celso de Mello ousou, em decisão autocrática, desafiar a mesmo decisão líquida e certa, por ser majoritária e final, do mais supremo dos colegiados. Sua decisão assombrou agentes e profissionais da Justiça brasileira. Em 2009 o empresário Leonardo Rodrigues Cipriano matou o sócio numa boate em Belo Horizonte, escondeu seu cadáver numa sala e em outra deu uma festa para a qual convidou a família da vítima – a realidade imitando o filme The Rope (Festim Diabólico), de Alfred Hitchcock. Descobertos o cadáver e o criminoso, o riquíssimo acusado foi condenado por um júri popular a 16 anos de prisão. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reduziu sua pena em dois anos e ela foi suspensa e depois confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça. Quando o réu estava para ser preso, providencialmente o decano do STF o soltou, manifestando seu solene desprezo pela instituição de que faz parte, cuja decisão colegiada desconheceu. E assim deixou claro que na Justiça pátria vale mesmo a lei de Chico de Brito, segundo a qual “de cada cabeça sai uma sentença”. As cabeças não são somente 11, mas a de cada juiz de primeira instância pelo Brasil afora – réplica tupiniquim da Hidra de Lerna, apud Homero.
Recentemente, Rosa Weber suspendeu as ações em ciranda com que os magistrados paranaenses tentaram intimidar os repórteres da Gazeta do Povo, de Curitiba que revelaram seus salários nababescos. Em contrapartida, seu colega Dias Toffoli mandou soltar o antigo correligionário petista Paulo Bernardo, acusado de arrancar propina de servidores do ministério que comandava quando estes requeriam crédito consignado, num esquema sórdido. O juiz que mandara prender o maganão, Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, não deixou a decisão estapafúrdia do ministro do STF passar sem crítica. Em seu parecer sobre o caso, Rodrigo Janot lembrou que o apartamento da mulher do ex-ministro, Gleisi Hoffmann, que, por ser senadora, goza de privilégio seletivo, vulgo foro privilegiado, não é um “bunker”. E não é!
Agora resta saber se, como os jornalistas paranaenses e Carla Zambelli, Moro e Azevedo também sentirão sobre o pescoço a mão pesada dos donos da lei. E se Lewandowski terá peito de fazer o que Lula exige, retirando as investigações dos graves delitos de que é acusado debaixo do martelo de Sergio Moro.
José Nêumanne Pinto, jornalista, poeta e escritor