Jornalista e ex-ministro enriqueceu a erudição histórica de seu trabalho com um olhar político sobre a escravidão
Está nas livrarias “Quem foi que Inventou o Brasil?”, do jornalista e ex-ministro Franklin Martins. A pergunta é do compositor Lamartine Babo em 1934 e, na resposta de Franklin, o povo canta. Nesse volume, ele coletou 296 canções, indo da Independência à República, com algumas dezenas tratando da escravidão e do racismo.
A história de Pindorama deve muito à música. Basta dizer que o Hino da Independência tem letra de um jornalista político (Evaristo da Veiga) e música de D. Pedro I. Graças à música, conhece-se também o “Batuque de Palmares”, tão candidato que foi proibido em 1839:
“Folga nego, branco num vem cá
Se vié, pau há de levá”.
Com a colaboração de João Nabuco ao piano, foram trazidas de volta inúmeras canções, inclusive as “Cantigas Báquicas”, compostas em 1826 por José Bonifácio de Andrada, o poderoso ministro da Independência, exilado na França. Episódios que o andar de cima trata com gravidade; no de baixo as coisas eram mais simples. Quando o Banco do Brasil quebrou, em 1829, a rua cantava “piolhos, ratos e ladrões”. Quase meio século depois, quando quebrou um grande banco privado do Rio, cantava-se:
“E quem há de nos valer
Em momento tão sinistro?
Ah! Já sei, corramos todos
Ao palácio do ministro.”
No livro, cantam os revoltosos dos Farrapos, da Balaiada e da Praieira. Cantam também os defensores da ordem:
“Fora farrapos, fora
Não mais venham competir
Pedro Segundo não quer
Os Farrapos no Brasil.”
Demófobos festejando a polícia do Rio parece coisa de hoje, mas em 1839 um lundu cantava:
“Já foi-se o tempo
De mendigar.
Fora, vadios,
Vão trabalhar!”
Noutra ponta do imaginário do poder, em 1857, quando se falava das virtudes do Império, a rua respondia:
“Hoje tudo são progressos
Da famosa ladroeira.”
Franklin Martins enriqueceu a erudição histórica de seu trabalho com um olhar político sobre a grande questão do século XIX, a escravidão. O grande momento do livro está no resgate de canções das senzalas e do abolicionismo.
Lá estão as canções de “Pai João”:
“Nosso preto quando fruta
Vai pará na correção
Sinhô branco quando fruta
Logo sai sinhô barão.”
Pesquisador generoso, Franklin transcreveu 37 canções relacionadas com a escravidão e o racismo. Delas, 33 estão disponíveis, de graça, como todas as outras, no site “Quem foi que inventou o Brasil?”. (No total, o site oferece 1.400 canções, um tesouro.)
Os interessados que tiverem algum tempo, podem ouvir vozes da História que, em muitos casos, os livros contam de raspão. O prazer da audição fica incompleto sem a leitura dos verbetes dos livros. No que acaba de ser lançado, aprende-se que algumas canções foram resgatadas por Mário de Andrade. Ou ainda que, em 1949, o professor americano Stanley Stein recuperou as cantorias de velhos jongos. Stein pesquisava a história do café de Vassouras, mas, de quebra, legou esses documentos sonoros.