A greve dos caminhoneiros foi servida aos brasileiros como uma refeição indigesta. Um grude de respeito.
Aí vão os ingredientes da receita:
. sobre uma camada densa de irresponsabilidade histórica que fez do país inteiro refém do transporte rodoviário – em muitos setores, cerca de 90% das cargas são levadas sobre rodas;
. acrescente-se uma malha rodoviária insuficiente e da pior qualidade;
Adesão maciça superou todas as expectativas
. adicione-se, na boleia dos caminhões, dezenas de milhares de homens sacrificados, autônomos, vivendo em situações limite num contexto de concorrência demencial, e cujos interesses são desconsiderados por sucessivos governos que não cumprem os acordos firmados;
. incorpore-se a esta massa de cidadãos empresas de diferentes tamanhos, e que se aproveitam da pulverização do mercado para defender os próprios interesses;
. na liderança desta gente toda, misture sindicatos fragmentados, sem representatividade; e redes de whatsapp que se entrecruzam sem nenhum nível de centralidade. Adicione, a gosto, borbotões de fake news;
. juntem-se impostos onerosos que são descarregados sobre os elos mais fracos da sociedade, poupando, como de costume, os privilegiados;
. acresçam-se, durante meses, aumentos constantes de combustíveis, às vezes diários, muito superiores à inflação corrente, que desabam sobre a cabeça dos motoristas, impedindo qualquer tipo de previsão de custos;
Inabilidade política do governo, como do ministro Carlos Marun
. junte-se a este caldo grosso um governo inepto, que subestima a onda que se avoluma, não a vê chegando, recusa-se a negociar e, quando negocia, o faz mal e porcamente;
. misturem-se ainda pitadas de extremistas de direita e nostálgicos de ditaduras pretéritas…
Pronto, a gororoba está no ponto, sendo certo que provocará uma indigestão amazônica.
A conta será paga pelos de sempre.
*Professor de História Contemporânea
Universidade Federal Fluminense