No dia 4 de janeiro, o Brasil perdeu dois ilustre mineiros: ontem, Eny Raymundo Moreira, uma das figuras mais emblemáticas na luta pela Justiça e pelos Direitos Humanos; há 34 anos, o humor combativo perdeu nosso querido Henfil, restando a nós sobreviventes fazer uma pequena e humilde homenagem a essas duas personalidades históricas
Henfil foi um gênio. Criador de dezenas de personagens como os Fradinhos e Ubaldo, paranoico. Em suas famosas “Cartas à mãe”, atirava como metralhadora, usando um tom intimista do filho que realmente fala com a mãe e ao mesmo tempo criticava o governo e cobrava posições das personalidades.
Fradim Especial nº 0 foi um marco na carreira de Henfil
Em uma dessas cartas veiculadas pela Revista IstoÉ de 1977 a 1984, escreveu: “Mãe, aqui estou eu, em mais um Natal, fazendo desta carta meu sapato colocado na janela. Eu fui bom este ano, mãe. Eu acho que fui muito bom. Eu fui solidário com todos meus irmãos Betinhos. Fiz greve com todos os Lulas. Quebrei Belo Horizonte como todos os peões. Voltei para o país que me expulsou, como todos os Juliões. Dei murro em ponta de faca como todos os Marighellas. Cantei as prostitutas, as mulheres de Atenas e joguei pedra na Geni como todos os Chicos Buarques. Aspirei cola como todos os pixotes. Fui negro, homossexual, fui mulher. Fui Herzog, Santos Dias e Lyda Monteiro. Fui então muito bom este ano, mãe. Aqui está minha carta sapato. Vou fechar os olhos, vou dormir depressa. Esperando que meia-noite todos entrem pela minha janela. Me façam chorar de alegria, que eu quero viver.”
Como outros dois de seus irmãos — o sociólogo Betinho e o músico Chico Mário — herdou de seus pais a hemofilia. Mineiro, cresceu em Ribeirão das Neves. Como ilustrador estreou em 1964. Em 1965 passou a colaborar com o jornal Diário de Minas, produzindo caricaturas políticas. Em 1967, criou charges esportivas para o Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro. Também teve seu trabalho publicado nas revistas Realidade, Visão, Placar e O Cruzeiro. A partir de 1969, passou a colaborar com o Jornal do Brasil e com O Pasquim.
Nunca perdeu a esperança de viver em um Brasil democrático
Criou figuras antológicas como os fradinhos Cumprido e Baixim, a Graúna, o Bode Orelana, o nordestino Zeferino e, mais tarde, Ubaldo, o paranoico. A partir de 1969, passou a colaborar com o Jornal do Brasil e com O Pasquim.
Henfil envolveu-se também com cinema, teatro, televisão (trabalhou na Rede Globo, como redator do extinto programa TV Mulher) e literatura, mas ficou marcado mesmo por sua atuação nos movimentos sociais e políticos brasileiros. Passou toda sua vida a defender o fim da ditadura. Em 1972, quando Elis Regina fez uma apresentação para o exército brasileiro, Henfil publicou em O Pasquim uma charge enterrando a cantora, apelidando-a de “regente” — junto a outras personalidades que, na ótica dele, agradariam aos interesses do regime, como os cantores Roberto Carlos e Wilson Simonal, o jogador Pelé e os atores Paulo Gracindo, Tarcísio Meira e Marília Pêra. Anos mais tarde, o cartunista disse que se arrependia apenas de ter enterrado Clarice Lispector e Elis Regina.
Como outros dois de seus irmãos — o sociólogo Betinho e o músico Chico Mário — herdou de seus pais a hemofilia. Após uma transfusão de sangue, acabou contraindo o vírus da AIDS. Ele faleceu vítima das complicações da doença no auge de sua carreira, com seu trabalho aparecendo nas principais revistas brasileiras.
Henfil, nascido como Henrique de Souza Filho, foi um cartunista, quadrinista, jornalista e escritor nascido em 5 de fevereiro de 1944. Partiu em 4 de janeiro de 1988.