Mestre Sebe registrando sua passagem pela inigualável catedral gótica Duomo di MIlano
De vez em quando me pergunto em que outras cidades eu moraria. Antes devo dizer que sou volúvel, suscetível a qualquer lugar. Juro. Lembro-me certa feita de ir a vilarejo muito pequeno, inclusive escondido em paisagens sertanejas e, maravilhado, declarar paixão imorredoura. É assim mesmo, basta chegar, esticar o olho para o centro, saber do mercado ou do cemitério e pronto: desponta minha natividade. Acontece o mesmo com grandes centros e, creio, em apenas uma não me deixaria por muito tempo: Los Angeles. Adoro a Califórnia, mas sei lá por que Los Angeles não faz meu tipo. San Francisco, pelo contrário, me empolga e até concorre nesse tolo plantel com Nova York.
Mundo afora há outras cidades que me seduzem: Barcelona, Porto, Paris – Londres também, mas menos. Berlin me assusta um pouco, mas gosto. As capitais escandinavas são lindas, mas não suportaria o clima. Devo falar também de Maputo e Luanda ambas na África, sinto-me muito bem lá. Beirute me fascina, bem como o Cairo e Marraquexe. Tenho um pendor incontido por Bogotá e a Nova Medellin preenche perfeitamente minhas expectativas; gosto de Buenos Aires, menos que da Cidade do México. Mas se dessas houvesse que escolher uma só, sem dúvida seria Milão, capital da Lombardia na Itália.
Milão, um charme que abriga mais de 1,5 milhão de habitantes
E por que Milão? Por tudo! O agito arrogante daquela movida airosa com seus mais de um milhão e meio de habitantes é imbatível. Tudo lá, segundo os milaneses ultra ufanistas, é especial, a começar pelo filé. Nem vou entrar na história desse prato e da disputa com os austríacos que se acham legítimos donos da receita levada para lá no século XIX, aliás, recomendo com água na boca uma visita a “Antica Trattoria Salutati”, seguramente o melhor restaurante que fui em minha vida. Mas nem só de comida pode-se falar de Milão, temos também o futebol.
Como em muitos países (inclusive no Brasil) o Milan começou por influência dos ingleses e no caso era um clube de cricket, isso em 1899. Com o tempo foi feita a opção pelo futebol e o clube da cidade passou a ser conhecido como “Associazione Calcio Milan” que é, afinal, uma das mais aclamadas equipes do mundo, sendo a que mais títulos internacionais conquistou.
Não se pode falar em moda, em particular da alta costura, sem mencionar Milão. As grandes marcas mundiais, os nomes mais expressivos, nasceram e têm Casas na cidade. Foi assim com Armani, Versace, Dolce & Gabbana e principalmente Prada. Uma volta no famoso Quadrilátero da Moda é visita obrigatória não apenas para os aficionados, mas para todos. E que dizer dos cafés e docerias daquele entorno?
Milan Fashion Week
E por falar em arte, Milão tem dois faróis potentes: a magnífica Catedral, conhecida como Duomo di Milano, em estilo gótico flamejante, e com cerca de três mil esculturas na fachada externa. Ainda que sua construção tenha se iniciado em 1396, por incrível que pareça, apenas foi concluída em 1965. E que imponência! O comprimento de 157 metros desde a entrada com magníficos portões de bronze é ladeado por vitrais considerados entre os mais belos do mundo. Assistir missa com canto gregoriano (o coral é considerado entre os melhores do gênero) é mesmo uma experiência divina.
Outro polo artístico, remete à passagem de Leonardo da Vinci por Milão. A convite do duque Ludovico Sforza que havia encomendado a maior estátua equestre do mundo, Leonardo pintou a Última Ceia no belíssimo refeitório da Igreja Santa Maria delle Grazie. Isso sem falar da lendária vinícola do grande pintor que depois de atravessar séculos, tendo sido destruída, com estudos recentes, foi revitalizada.
Vitrais da catedral são considerados os mais belos do mundo
Mas, se me perguntassem o que mais me atrai em Milão diria que é a vida política. Sendo reconhecida como berço do fascismo, distingue-se também pelo progressismo expresso por uma esquerda militante, com base no operariado industrial. Ver qualquer manifestação política em Milão é um acontecimento inacreditável, paixão pura.
Fala-se muito em cidades globais, centros que sintetizam os principais avanços modernos em coordenação como a pluralidade de culturas que se afinam. O cenário urbano nesse sentido é fundamental para explicar camadas do passado projetadas no presente, convidando a universalidade. Milão intriga por não se ajustar a tal conceito. Fala-se até do reverso, o mundo é que se adequa a ela. É sim, Milão, é uma cidade global, mas pelo ânimo de fazer o mundo se render a seus caprichos.