Maior temor dos militares no governo é perder a credibilidade conquistada nos 30 anos de silêncio e disciplina após a ditadura
Os militares que estão no governo Bolsonaro não querem ser vistos como um grupo ou uma ala. Por isso tiveram o cuidado de jamais fazer uma reunião conjunta, me contou um deles. Mesmo assim são vistos como grupo, e criticados em bloco. Ontem caiu o general Santos Cruz que sempre foi alvo dos filhos do presidente e de Olavo de Carvalho. E cair por isso é até comenda. O general Luiz Eduardo Ramos, que vai assumir, tem experiência no relacionamento com políticos porque foi assessor parlamentar do Exército, e tem habilidade para ouvir os diversos segmentos da sociedade. Se avançar com essas qualidades pode dar certo ou também ser vítima do mesmo grupo do barulho no governo Bolsonaro.
General Santos Cruz foi demitido na quinta-feira, 13
O maior temor que os militares que estão no governo têm é o de que venham a perder a credibilidade que conquistaram em trinta anos de silêncio e disciplina, após o fim da ditadura. Na visão que ouvi de um deles esta semana, o que estão vivendo agora não tinha acontecido antes.
— Em nenhum governo, desde a redemocratização, tivemos o protagonismo que temos neste. Isso pode ser um ônus se o governo der errado.
Na avaliação que eu ouvi, o presidente Bolsonaro não está errado em criar outras agendas, mesmo que algumas provoquem polêmica, como a liberação de armas ou a mudança no código de trânsito. Porque se ficasse apenas na reforma da Previdência poderia dar a impressão de uma administração paralisada.
No geral, acham que o governo em alguns setores está indo na direção certa, mas que a comunicação e a articulação com o Congresso são áreas de crise crônica. E que os ministros que acertam não conseguem mostrar seu trabalho, pelo destaque que têm os que erram. Entre os mais criticados está o ministro da Educação.
A queda de Santos Cruz acontece num dia que já não estava bem para o presidente Jair Bolsonaro. Seu decreto que desfez os conselhos foi derrotado no Supremo Tribunal Federal. O ministro da Justiça Sergio Moro continua imerso na crise das informações reveladas pelo site “The Intercept”. Mas houve uma notícia positiva. Afinal, o relatório do deputado Samuel Moreira foi lido dentro do prazo na comissão especial e manteve intactos vários pontos da reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro, como a idade mínima, que é uma luta de décadas no Brasil.
General Luiz Eduardo Ramos, da ativa, assume no lugar de Santos Cruz
Para o ministro Paulo Guedes, contudo, a maior importância dessa reforma era a capitalização. Na visão dele, isso justificava o nome “Nova Previdência”, porque iniciaria um círculo virtuoso que levaria a economia a ter mais poupança, mais empregos e mais investimento. Por isso, o relatório teve para o ministro um gosto amargo. Para os parlamentares a rejeição à capitalização foi por um motivo prático. O projeto do governo pedia autorização para criar um novo regime do qual nada se sabia, exceto que ele conteria o sistema “nocional”, que garantiria um valor mínimo a ser pago pelo Tesouro em caso de insuficiência de poupança na conta individual. Parece confuso. E é.
O valor de R$ 913 bilhões apresentado pelo relator dá à equipe a sensação de estar bem perto do R$ 1 trilhão, porém essa conta embute a receita com o aumento da CSLL dos bancos. A economia mesmo é menor.
Olavo de Carvalho prestigiado por Bolsonaro em sua viagem aos EUA
O relatório costurado com os líderes dos partidos que apoiam a reforma removeu o que era intragável do ponto de vista político, o BPC e a mudança na aposentadoria rural. Além disso ampliou um pouco a faixa que permite receber o abono salarial. Por outro lado, criou privilégios para o grupo mais beneficiado do funcionalismo, que é quem tem o direito de se aposentar pelo valor do último salário e seguir os reajustes da ativa.
De qualquer maneira, o dia, de magras notícias boas, era de dar destaque ao fato de que a reforma da Previdência avançou mais um passo no Congresso. Mesmo assim Bolsonaro conseguiu criar mais uma crise com a demissão do general Santos Cruz. A nomeação do general Ramos não deixa o posto vazio. Mas o motivo da queda mostra mais uma vez a face de um governo tutelado. E essa influência dos filhos de Bolsonaro, e de Olavo de Carvalho, sobre o presidente é considerada pelos militares que estão no governo, como a parte mais incômoda e desconfortável da atual administração à qual se ligaram.