José Carlos Sebe Bom Meihy
Ouvi outro dia uma expressão intrigante “inveja branca”. Primeiro, achei interessante dar cor a inveja. Meu espírito crítico, porém, logo se aguçou e vislumbrei questões ligadas aos preconceitos, e assim, para meu botões perguntei, mas o que seria “inveja branca” e por que não “inveja negra”? Foi automático despertar temas ligados às discriminações.
Tive que indagar o significado desse dizer, e então o interlocutor declinou justificativas não menos racistas, aproximando branco de coisa boa e negro de má. Com medida paciência, dizia o colega que “inveja branca” era um sentimento aceitável, manso e até elogioso, pois conferia respeito a vontade de estar no lugar da pessoa que passaria por um processo positivo, disposto, por exemplo, a receber um prêmio, uma viagem, estar em companhia desejável, ou coisa parecida.
Passado o encontro, dei asas para meditações sobre alguns temas capazes de provocar em mim a tal “inveja branca”. Foi imediata a instalação de um dilema filosófico. Confesso que mergulhei em mim para logo emergir triunfante, porque, afinal, não vi muitos motivos para ter despertada a tal “inveja branca”.
Tenho a família que gostaria de ter, filhos, noras e netos ideais; profissionalmente atravessei a vida trabalhando – e ainda o faço – no melhor que poderia conseguir. Ser professor me completa, e tenho orgulho em dizer que uma das virtudes dessa opção foi viver sempre entre jovens. Como nunca passei frio ou fome, porque sempre vivi em lugares que me situavam bem, não invejaria outras pessoas por “brancas” que fossem suas virtudes. Viajei muito, tive oportunidade de visitar diferentes quadrantes e ainda que restem espaços a serem visitados, isso é coisa positiva. Amigos não os tenho aos milhares, mas o número é exato, coerente com minha capacidade de amar.
Sabe, aos poucos ia ficando frustrado, surpreso por não encontrar elementos convincentes para boa tradução da tal “inveja branca”. Tanto fiz, tanto cavei, que por fim identifiquei algo que me faz menor, desejoso de ter algo que outros têm. Demorou, mas finalmente achei algo que pudesse me sentir “brancamente” invejoso: “dormir”. Tenho sono débil, frágil e quebradiço. Na melhor das hipóteses durmo cinco horas por dia. Fico até meio acanhado por dizer que às vezes preciso tomar um remedinho – coisa leve – para dar passagem ao sono. Dia desses, também ouvi dizer que pessoas que têm sono leve sonham muito. Foi o bastante para ter explicação convincente para a profusão de manifestações oníricas. Devo dizer ainda que esta devoção aos sonhos é algo que cultivo eufórico. De toda forma, o reverso desse processo noturno deixa um saldo complicado: sinto-me sempre muito cansado, exausto mesmo.
Engraçado: a mera identificação desse “problema” me levou a ramificar questões. Diria que a mais séria delas dizia respeito aos porquês. As respostas se multiplicaram rápidas. Uma delas remete à velha prática, desde o tempo de estudante quando tinha que dar conta de vasto programa de leituras e trabalhos. Como fazia dois cursos ao mesmo tempo, não teria outra saída. Depois, o acúmulo de trabalho ditou a mesma prática. E vieram os filhos, e nesse quesito, como ficava muito tempo fora, cuidar dos rebentos durante a madrugada (sempre fui eu quem trocava fraldas dos filhos, à noite) me era um jeito de participar. Depois vieram os longos e trabalhosos anos de pós-graduação. Acabada essa fase, abria-se outra: escrever os textos que garantiriam o estatuto. Tal balanço me levava de volta à questão da “inveja branca”. Por fim resolvi a questão: tenho sim “inveja branca”… “inveja branca” de mim mesmo.