José Carlos Sebe Bom Meihy
O tema “poliamor” tem ganhado visibilidade por vários motivos. Talvez a razão mais explicativa do sucesso desse assunto se remeta ao que ele não é. Explico-me: de repente as velhas definições de relacionamentos “proibidos” se tornaram obsoleta. Ter amante, manter caso extraconjugal, sustentar parceiro fora da lei ou dos mandamentos institucionais divinos, se tornou coisa antiga. Não que deixassem de existir tais combinações, até pelo contrário ainda hoje há parcerias que reproduzem práticas comuns aos nossos pais, avós e demais antepassados. Dia desses até ouvi perplexo que fulano de tal tem uma “teúda e mateúda”, e cá e lá repontam referências a “amasiados”, “amancebados” e “amigados”. Tudo como antigamente. Por certo, tais expressões não se sustentam mais com a mesma força e se sabe de outras soluções que ganham aceitação. Confesso que o crivo moral que caracteriza esses tipos de tratos sempre me perturbou muito. A aproximação do termo adultério me incomoda por implicar “traição”, “deslealdade” e o que me é mais condenatório, “infidelidade”.
Pois é, andava meio perdido nessas considerações quando me lembrei de uma reportagem passada na televisão, em horário avançado da noite, sobre “poliamor”. De maneira irresistível fui ao google e encontrei referências notáveis sobre essas “novas manifestações de relacionamentos”. Tudo em nome da modernidade, é claro. Achei interessante notar que nos diversos sites visitados encontrei uma referência importante, de Gabriel García Márquez dizendo o seguinte: é possível estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, e por todas com a mesma dor, sem trair nenhuma. Por certo, o grande escritor colombiano servia para lastrear uma fundamentação que tende a fugir do vulgar, celebrando o tal de poliamor.
Minha primeira atitude foi tentar responder em nível pessoal se eu teria capacidade para amar ao mesmo tempo alguém mais do que meu coração permitiria. Como não me é o caso, resolvi dar asas à leitura e logo fui vendo as soluções encontradas: um homem com duas ou mais mulheres; uma mulher com dois ou mais homens; alguns com parceiros que por suas vezes teriam mais relacionamentos, tudo aberto e consciente. Buscando entender essa gramática afetiva, logo aprendi que a palavra “ciúme” não pode existir naqueles dicionários e que tudo se rege por uma premissa básica: o amor quando é legítimo, se multiplica, não se divide.
Foi fácil também notar o sentido das palavras “posse” e “objeto”. Ninguém é dono de ninguém e não somos objetos para garantir propriedade de outrem. É fácil imaginar que o progresso dessas leituras ia ganhando fôlego quando se pensa na fecundidade do termo “cooperação” ou “acordo”. Sem ser muito racionalista, algumas questões se apresentavam como fundamentais, e uma delas é o “planejamento coletivo”.
Ia bem com minha capacidade cognitiva até que vi um dos “filminhos” onde um rapaz se levanta pela manhã, depois a mulher e ambos se encaminham para o banheiro até que um terceiro saia da mesma cama, também para fazer sua higiene. Pronto, deu-se um nó em minha cabeça. Tudo ao mesmo tempo? Juntos? Aiaiai… minhas antigas configurações não mais se ajustavam, pois não se tratava de um ménage à trois, não seria também um caso de mera sacanagem. Nos dizeres daquela conversa matinal, notava-se a força de um pacto legítimo, amistoso, colaborativo. Li mais e me convenci que a tal relação não se baseava apenas em sexo e que, pelo contrário, o sentido de confraternidade seria condição para a sobrevivência de casos tais. E veja que falo em conceito de comunidade, quase bíblico.
Encontrei também referências a outras “soluções”, como distribuição de datas, condição de casais que mantinham além da própria casa, comunhão com outros parceiros. Por certo, me intrigava a questão das despesas, do custo de vida e da educação de filhos. Tudo, porém, me era respondido com algumas investidas a mais, nos diversos sites.
Cabe dizer que nessas “pesquisas” pude perceber que tudo é mais comum e difundido do que se pensa e que nem faltam pais, mães, parentes e amigos que aceitam isto numa boa. Por fim, fiz mais uma consulta ao meu coração, e depois de delongas respondi que isso é bonito nos outros, no cinema e na literatura. Por fim, tive uma resposta pessoal: sou limitado a um amor único e de tal forma resistente que acabei cantarolando solamente una vez, ame en la vida/ solamente una vez e nada mas…