Voto em separado e manifesto pró Lula são indícios de que deu a louca no PT?
O Partido dos Trabalhadores (PT) resolveu contrapor-se ao relatório escrito com esmero e competência pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que descreveu em 441 páginas os atentados cometidos contra a Constituição pela desvairada afastada Dilma Rousseff – bilionários cheques sem fundo contra bancos públicos para financiar sua reeleição. E incumbiu a bancada do chororô na comissão do impeachment do Senado da árdua missão. A mensagem não foi entregue a Garcia, o celebrado herói da guerra dos EUA contra a Espanha, mas ao barulhento trio de frente do contra-ataque petista: Lindbergh Farias, Gleisi Hoffmann e Kátia Abreu (que é do partido de Temer e Jucá e da bancada dita ruralista).
A ruralista Katia Abreu e a presidente afastada Dilma Rousseff
Num gesto de dramático reforço retórico assemelhado (embora sem o mesmo talento) ao de O Rinoceronte, obra-prima do teatro do absurdo escrita por Eugène Ionesco, o ex-prefeito de Nova Iguaçu (RJ) transferiu o privilégio da leitura para três colegas: Gleisi Hoffmann (PT-PR), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Kátia Abreu (PMDB-TO). Em teoria, seria para denunciar a misoginia (horror ao sexo feminino) manifestada pelos quatro principais agentes do “golpe branco e manso”: Eduardo Cunha, Michel Temer, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o PSDB. Este, derrotado na eleição de 2014, teria recorrido ao terceiro turno, inspirado (e, quem sabe, financiado), como os outros, pela “elite fascista branca de olhos azuis” da Fiesp. Como nunca na história do Congresso Nacional foi lida uma mixórdia tão surrealista, pode ser também que o senador paraibano, mas que representa a esquerda festiva do Rio de Janeiro, se tenha poupado de ler o confuso arrumadinho com que tentou em vão adiar a sessão e prorrogar para as calendas gregas o julgamento final da “presidenta”.
Nunca antes tantos clássicos da literatura foram citados num texto em que a subliteratura mais abjeta se fez representar para distorcer fatos, conspurcar a História e tratar o público a que se destina como portador da mais rematada imbecilidade. Tudo começa no título, Crônica de um Golpe Anunciado, paródia de Crônica de uma Morte Anunciada, obra-prima do Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez.
As citações destrambelhadas não param por aí. O voto em separado dos senadores desesperados incluiu em seus desvarios a visita descrita por Dante Alighieri, o poeta toscano que inventou a língua e a literatura italianas, ao inferno na companhia do colega romano Virgílio. A trama, reza o destampatório, foi “de tal forma sinistra que poderia ter sido contada por Virgílio a Dante Alighieri e ter como introito a lúgubre frase Deixai toda a esperança, ó vós que entrais! Com efeito, começava ali a nova descida da democracia brasileira aos históricos infernos do golpismo”.
O inferno de Dante parodiado pelos petistas
Em editorial publicado em sua página 3 na edição de quarta-feira 3 de agosto, o Estadão arrematou com precisa ironia: “Era o caso de mencionar que o oitavo círculo do inferno de Dante é aquele onde os corruptos, hipócritas e falsários são punidos com banho de piche fervente, mas o texto omite essa passagem”. Pudera! Lindbergh, Gleisi e o marido desta, Paulo Bernardo, são figurinhas carimbadas na “república de Curitiba” e não iam passar recibo desse jaez. Tudo como antes nos infernos de dantes.
Os autores dessa odisseia por mares desde sempre navegados da hipocrisia e da mentira na prática parlamentar nacional tomaram emprestada uma lembrança que tem comparecido aos discursos de madama nos estertores de seu isolamento no hospício da Alvorada. Foi reproduzida, é claro, a célebre lição de Josef Goebbels segundo a qual “toda mentira repetida passa a ser verdade”, aprendida e imitada por João Santana, que acaba de pagar fiança de R$ 31,5 milhões (!) para sair da cadeia, juntamente com a mulher, Mônica, por crimes contábeis cometidos sob a égide da “ilibada” Dilminha.
A imaginação de Alighieri não daria conta do pParaíso na Tterra filmado, cantado e louvado nos filminhos da campanha da reeleição, assim como de cenas do clássico documentário dos horrores, a série Mundo Cão, na vida real depois de sua segunda posse. Lembrado foi ainda o “Führer” (líder) do inspirador de Patinhas, Adolf Hitler. Afinal, este “legitimou em grande parte a ascensão no cenário político alemão com o recurso demagogo da ‘limpeza das ruas’ alemãs de judeus, ciganos, comunistas e corruptos”. Talvez para não lembrar espeto em casa de ferreiro, o trio de redatores não substituiu corruptos por homossexuais. Na certa, fê-lo para não relembrar a cruzada de Fidel e Raúl Castro em Cuba contra quem viole a pureza sexual socialista no pecaminoso Caribe.
Karl Marx, jornalista e filósofo alemão, autor de O 18 Brumário de Luís Bonaparte
Depois de tripudiar sobre a herança filosófica e literária de Sófocles, Hannah Arendt, Getúlio Vargas e, pasmem, Carlos Lacerda, os três concluíram essa celebração da ficção brega com um dos textos favoritos deste escriba, desde a adolescência em Campina Grande. Em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx, já então não mais o jovem editor da Gazeta Renana que verberava contra a censura do kaiser, mas o filósofo de longas barbas brancas, recorreu ao mestre amado e contestado Georg Hegel para concordar com sua afirmativa de que a História sempre se repete. Só que, de início trágica, no repeteco ela se torna farsesca. Marx e Hegel, como diriam aqueles procuradores paulistas perseguidores do Führer (perdão, líder) Lula, chacoalharam os esqueletos pelo mau uso de sua frase genial.
Pretensioso, mentiroso e piegas como só um texto da lavra dos que o escreveram poderia ser, o voto em separado da bancada do chororô guarda semelhança com o manifesto dos “juristas” leais a favor do recurso de Lula ao comitê de direitos humanos da ONU contra nosso Estado Democrático de Direito, que em palanques este louva. Assinado por 64 (só?!) advogados e vassalos de outros ofícios, o documento alcança o ridículo não por excessos de subliteratura com ótimas citações, mas pelo exíguo total de aderentes.
De acordo com estes, Lula seria alvo de ódio e perseguição porque “ele é filho da miséria; porque ele é nordestino; porque ele não tem curso superior; porque ele foi sindicalista; porque foi torneiro mecânico; porque é fundador do PT; porque bebe cachaça; porque fez um governo preferencialmente para as classes mais baixas e vulneráveis”. Para esses minguados signatários, se “fosse Luiz Inácio Lula da Silva um homem de posses, sulista, ‘doutor’, poliglota, bebesse vinho e tivesse governado para os poucos que detêm o poder e o capital em detrimento dos que lutam sofregamente para ter o mínimo necessário para uma vida com dignidade, certamente a história seria outra”. O grupo critica especialmente o juiz Sergio Moro, que no curso das investigações da Operação Lava Jato determinou a condução coercitiva e autorizou a divulgação de gravações de conversas do ex-presidente.
Manoel Volkmer de Castilho, demitido pelo ministro Teori Zavascki por assinar manifesto crítico ao juiz Sérgio Moro
Entre os gatos-pingados que o assinaram se destaca um ex-desembargador do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, de Porto Alegre, e então assessor do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, também marido de Ela Wiecko, vice-procuradora-geral e braço direito do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Sobram cargos e sobrenomes na identificação do ex-assessor, que pediu demissão e a teve aceita pelo ex-chefe. Mas isso não bastou para dar-lhe conta de que expôs à toa o relator da Lava Jato no STF. Este, aliás, assim como o presidente daquela Corte, Ricardo Lewandowski, perdeu a oportunosa ensancha de puxar a orelha do ex-presidente, que detratou a República em inócuas instâncias estrangeiras.
Em suma, parodiando outro título popular, o da comédia cinematográfica Deu a Louca no Mundo, será que deu a louca no PT, hein?
José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor