A cantora, compositora, atriz e pesquisadora da cultura afro-baiana Clécia Queiros lançou seu terceiro CD, Quintais (independente). Nele apresenta, se não toda, muito da incrível diversidade do samba, desde as suas subdivisões rítmicas, melódicas e harmônicas até o jeitão de cantá-las. (Por vezes, uma simples marcação de palmas, ou uma levada do baixo ou da percussão, bastam para diferençar cada um dos estilos musicais).
Cantora com uma voz aparentemente comum – como a dos que cantam na mesa do boteco ou no chuveiro –, seu cantar brejeiro contudo se revela categórico ao sabor do samba e de seus congêneres. Assim, ela seduz pela simplicidade com que se entrega ao ofício de apresentar as músicas pelas quais demonstra conhecimento e amor.
Clécia Queiroz materializou um bom trabalho ao recolher o material a ser gravado. Familiarizada com os sambas de roda da Bahia e com seus compositores, buscou com eles as músicas que identificam a diversidade da música que ressoa desde o Sudeste ao Nordeste e ao Norte, sempre renovando e acrescendo algo mais ao nosso bom e velho samba.
O trabalho progrediu na escolha dos instrumentistas, dos produtores e arranjadores, todos capazes de tocar com competência os arranjos das 15 faixas do disco. Devo realçar a percussão, que é a protagonista de todos os gêneros gravados – cada arranjo trata de mais valorizá-la, no que faz muito bem.
“Anjo Fugido” (Roberto Mendes e J. Velloso) é um samba chula amarrada* (que tem cadência um pouco mais lenta). Com violão, cavaquinho e flauta, tendo como intermezzo um vocalise, foi uma boa escolha para abrir o disco.
Um zouk* abrasileirado, “Flor D’Água” (Samir Trindade) tem clarinete e flautas definindo o arranjo junto com a percussão.
“Me Salve de Mim” (J. Velloso, Manuca Almeida e Alexandre Leão), um jongo que “desemboca num kilapanga* mesclado com versos de dois ‘vissungos’* de Minas Gerais”, tem belos versos: (…) Me salve das rugas, do pensamento/ Me salve da ilha chamada tormento/ Me salve do deus que não olha pra mim/ Me salve de mim.
“Amurê” (Roque Ferreira), semba* que inicia com a percussão em destaque, tem o violão na introdução e traz um glossário para traduzir os termos afro-brasileiros presentes na letra.
Tendo o bonito som da sanfona de Targino Gondim resfolegando, “Águas de Oxum” (Roque Ferreira e J. Velloso) – cabila* mesclada ao samba de roda –, tem o baixo repetindo uma mesma nota, ora no tempo, ora no contratempo, marcação que aumenta a picardia da música (pena que a mixagem o deixou pouco perceptível). Ela e “Nobreza” (Roque Ferreira), um belo samba canção, contam com saborosas interpretações de Clécia.
“Quintais” (Roque Ferreira e Clécia Queiroz), uma mistura de aguerê* e vassi*, tem um violino a lhe acrescentar beleza.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
*A meu pedido, os gêneros de cada uma das músicas do CD foram nomeados e gentilmente apresentados por Clécia Queiroz.
Contatos: cleciaqueiroz@gmail.com; (71) 8777 3118