Para Pitágoras (580-497 AC), o número é a causa e o princípio de tudo. Esta afirmação sugere a existência de um princípio unificador do Universo, ideia que desempenhou um papel importante na filosofia grega. A mesma frase simboliza também as contradições e ambiguidades do pensamento Pitagórico: misticismo, magia e mistério mas, por outro lado, exatidão e rigor.
A afirmação de Filolau (nascido em 450 AC), matemático da Escola Pitagórica, todas as coisas têm um número e nada se pode compreender sem o número significa, pode ser , o aparecimento da ideia de uma ordenação matemática do Cosmos, ideia que é um dos fundamentos essenciais da ciência moderna.
A Escola Pitagórica funcionava como uma seita. Os Pitagóricos, para além de outros símbolos e rituais místicos, usavam o pentágono estrelado como sinal de aliança entre eles. Os conhecimentos matemáticos e as principais descobertas da Escola eram transmitidos oralmente aos seus membros que, sob juramento, se comprometiam a não divulga-los. É curioso que, apesar de sua doutrina ser ensinada apenas oralmente durante as primeiras décadas, a Escola sobreviveu por centenas de anos. Prolongou-se por oito séculos (V AC a III DC) o desenvolvimento de especulações matemáticas, astronômicas e harmônicas, mas também de natureza física ou médica, e ainda morais e religiosas que se associam ao Pitagorismo.
Ilustração de Pitágoras na Grécia antiga
Por volta do ano 500 AC, como resultado de perseguições políticas, os pitagóricos tiveram que fugir de Crótona (Itália), onde a seita estava instalada e tinha atingido considerável prestígio cultural e político. Seus discípulos espalharam-se então por várias regiões da Grécia. Só nessa época contemporânea de Sócrates aparecem os primeiros escritos pitagóricos, um dos quais é a obra de Filolau – Sobre a Natureza.
Podemos reconhecer nessa doutrina algumas raízes do pensamento científico Renascentista. As concepções de Kepler relativas ao Universo eram essencialmente pitagóricas e platônicas: a estrutura do mundo correspondia a um modelo apoiado na beleza e na harmonia que podia exprimir-se através de fórmulas geométricas e numéricas. Para Kepler, a finalidade da ciência era descobrir as regras matemáticas usadas por Deus na criação do Universo e, como escreve em Mysterium Cosmographicum, a quantidade foi criada no princípio, em conjunto com a matéria. Também Galileu em Il Saggiatore afirma que o Universo está escrito em linguagem matemática.
Ainda na atualidade é possível encontrar sintomas de pitagorismo nas posições de reputados cientistas. René Thom, ao escolher como título de um artigo – O método experimental: um mito dos epistemólogos – assume desde logo uma posição que podemos associar ao Pitagorismo. Aliás, os autores do debate sobre filosofia das ciências de que faz parte o referido artigo reagem de imediato às afirmações de René Thom. Esses outros autores são experimentadores, físicos ou biólogos, o que talvez explique as suas posições marcadamente antipitagoristas.
Talvez seja um abuso de linguagem chamar pitagorismo a tendência para valorizar excessivamente os aspectos matemáticos do saber científico pois, evidentemente, a pretensão de querer traduzir o mundo por números não tinha, para Pitágoras, o mesmo sentido que se dá hoje à matematização do conhecimento. No entanto, o termo pitagorismo serve perfeitamente para caracterizar o exagero das posições de alguns cientistas na atualidade. É tentador associá-las a Pitágoras, tanto mais que estamos aqui também em presença de um paradoxo cultural. Ele traduz-se, em certas áreas científicas, pela coexistência entre a forte presença da matemática e a tendência para um obscurantismo crescente.
Um dos campos onde se têm abrigado diversos tipos de obscurantismo é o da Mecânica Quântica. A dificuldade para compreender o significado de certos resultados científicos com expressão matemática muito elaborada tem obrigado cientistas e filósofos a uma aturada reflexão. Dessa reflexão resultam ideias que, para além de serem expostas de forma incompreensível por certos autores, sofrem de obscurantismo ou, diríamos mesmo ousadamente, traduzem um certo misticismo. Talvez a vontade de compreender ou de explicar resultados os leve, tal como aos Pitagóricos, a transcender o significado dos objetos científicos. Essa tendência parece não ser incompatível com um trabalho qualificado numa área científica, tal como acontecia aliás com os Pitagóricos.
Também os seguidores de Pitágoras não se limitaram a especular acerca da natureza e significado dos números e a estabelecer as suas propriedades místicas; eles produziram resultados matemáticos importantes perfeitamente integrados no conjunto da ciência grega. Pitágoras e os seus discípulos são mesmo considerados os iniciadores de uma área matemática, a Aritmética, hoje designada por Teoria de Números.
Numa tradição que remonta a Pitágoras, os matemáticos especialistas em Teoria de Números praticam-no atualmente com toda a legitimidade nas universidades e nos centros de investigação. Essa teoria encontrou inúmeras aplicações a partir da II Guerra com o desenvolvimento dos computadores. Mas, mesmo antes, quando não havia quaisquer aplicações à vista, matemáticos famosos de todos os séculos brincaram com os números, tal como faziam os pitagóricos, estabelecendo propriedades dos números inteiros, embora sem lhes atribuir qualquer significado místico.
Alguns dos matemáticos que trabalharam em problemas reais não deixaram, por isso, de estudar os números e de se encantar com as suas propriedades. Fermat é um desses matemáticos, frequentemente citado nestes últimos anos, precisamente por causa de um célebre teorema em teoria de números.