A cantora, compositora e atriz Fortunée Joyce Safdié, ou simplesmente Fortuna, lançou Novos Mares – Alepo – Sefarad – Olinda (selo Sesc-SP), seu sétimo CD. Um trabalho impregnado de referências à sua origem judaica, que além de temas árabes traz também cinco de suas canções. Cantora com personalidade, sua voz vai certeira às notas, e, graças à concepção instrumental, a sonoridade do álbum é rica
Segundo ela própria, o CD trata da caminhada judaica que começa na cidade de Alepo (Síria), em que nasceu seu pai e todos os seus antepassados, passa por Sefarad (“Espanha”, em hebraico, em que o foco é o cancioneiro ladino, dos judeus originários daquele país ibérico) e chega a Olinda. O relato musicado dessa trajetória é uma homenagem à sefaradita Branca Dias, que, perseguida pela inquisição, fugiu da Península Ibérica para Pernambuco.
“Ah ya zein” (“Ó meu belo rapaz”), de autor anônimo, é uma canção de amor popular de Alepo. Tema alegre movido a instrumentos universais, como piano (Gabriel Levi, também produtor do CD junto com Fortuna), baixo (Neymar Dias) e surdo (Roberto Angerosa), e a instrumentos orientais, tais quais derbak (Roberto Angerosa) e o kanoum (Cláudio Kairouz).
“Mon amour” (autor anônimo), tradicional na Turquia, ganhou versos em francês de Fortuna e Gustavo Kurlat. O baixo em uníssono com a melodia é o máximo. O alaúde (Yair Dalal) e o acordeom (Gabriel Levy) marcam presença. Enquanto Fortuna canta em duo com Sabrina Shalom.
“Dona nobis pacem” é um cânone atribuído a Mozart, adaptado por Fortuna e Carlos Zarur. Ouvindo-a com o Coral dos Monges Beneditinos do Mosteiro de São Bento de São Paulo, chorei… Eu cantava essa obra no coral do Centro Educacional de Niterói, regido pelo professor Hermano de Sá.
“Branca Dias” (música de Fortuna e Gabriel Levy, letra de Fortuna e Leo Cunha): canção tão tocante quanto a saga da homenageada (diz a lenda que anos depois Branca Dias morreu queimada). A introdução do violão é pungente. Junto com um coro masculino, o canto de Fortuna segue admirável. Ao final, a caixa revela uma ciranda, cujos versos o coro clama: “Ó Branca Branca Dias/ Vem cá, vem cirandar/ Brincar nessa ciranda/ Pelas espumas do mar”.
Ouvindo Fortuna, vejo um axioma: o sincretismo musical brasileiro, tal qual o religioso, está presente na música do país. O canto judaico se mistura com o canto católico e o canto evangélico que se encontra com o Hare Krishna, que, por sua vez, se mistura ao canto do candomblé, ao canto gregoriano… Não há entrave que aqui impeça a mescla de todos os cantos, de todas as terras. Cantando a universalidade do amor, Fortuna rompe fronteiras – sua música e seu cantar sobrevoam florestas, rios, horizontes.
Contudo, assim como a tristeza, as guerras religiosas não têm fim. Mas, se porventura, acontecesse o milagre da paz, a música de Fortuna ecoaria como um hino à vitória.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
PS. A meu pedido, Fortuna enviou a tradução e a origem de todas as músicas do CD.