Sei que a sabedoria popular recomenda “não deixe para amanhã o que pode fazer hoje”, mas apendi que um quarto da humanidade age exatamente ao contrário, transferindo tarefas para depois. São os tecnicamente chamados “procrastinadores”. Há estudos científicos sobre essa matéria, coisa séria mesmo, visto que além de afetar relações e produção de trabalho, incide na felicidade pessoal, perturbando o sonho, o bem-estar e principalmente a pressão arterial. Sei também de muitas pessoas que deixam tudo para a última hora, mas dão conta do recado, custe o que custar: noites de sono, náusea, lágrimas, brigas. Outras existem que de tão habituadas, precisam da tensão final para produzir melhor e se viciam em suposta “adrenalina”, aquele barato que permite, depois de concluído o feito adiado, respirar satisfeito e dizer para si “eu sabia que ia dar certo”.
Nossa cultura tem montanhas de dizeres que servem de indicativo de tal prática: “depois eu faço”, “manhã eu consigo”, “começo na segunda-feira”, “após meu aniversário”; “vou esperar o feriado”, “no ano que vem”. São exercícios curiosos e traiçoeiros esses mecanismos que inventamos para postergar, muitas vezes até sem motivos aparentes. Outro dia li uma reportagem curiosa feita na Universidade de Bielefeld, Alemanha, que dizia que entre mais de 2.000 alunos, pelo menos a metade assumia tal atitude como normal e rotineira em suas vidas. Cerca de 800 deles chegaram a afirmar que não saberiam fazer de outra forma, ou seja apenas obedeciam aos horários e prazos quando eram mandados por alguém de fora, com autoridade, regras e punições. Ouve-se dizer que que pessoas que sofrem de Transtornos Obsessivos Compulsivos (o conhecido TOC) ou aqueles que tem Déficit de Atenção são procrastinadores crônicos. Com certeza pessoas que querem se livrar de adicções saber do que estou falando.
O tema é universal, sem dúvidas, pois, em todos os quadrantes encontra-se pessoas que até sentem prazer em “deixar para outra hora”, mas também existem dos que se portam de maneira científica e insistem em provar que há condições biológicas atuando no caso. Fala-se, por exemplo, de estudos que justificam a atitude procrastinadora identificando um conflito entre o córtex pré-frontal do cérebro e o sistema límbico, ou seja, entre a área de tomada de decisões e a que reconhece o prazer. Mas também existem estudos dizendo que o Brasil é um país culturalmente aberto a tolerância dos que deixam tudo para um certo amanhã. Antropólogos nossos, inclusive acham que não se pode explicar a “teria do jeitinho” sem se referir ao costume tão aproximado dos efeitos tropicais ou das raízes lusitanas.
Talvez sirva de consolo lembrar que há procrastinadores célebres e destacados em diversas áreas. Estudos da Universidade de Calgary, no Canadá, mostram entre os mais reputados pintores da História alguns praticantes do adiamento. Leonardo Da Vinci, por exemplo, demorou quatro anos para concluir a Mona Lisa e só terminou a Última Ceia quando o mecenas resolveu cortar as verbas que o mantinham. O espanhol Diego Velásquez não terminava suas obras e mantinha uma pequena legião de ajudantes capazes de dar fim em seus trabalhos. Ainda no campo da pintura cabe a dúvida se o fato de alguns modernistas deixarem parte da tela em branco seria uma atitude estética ou estaria inscrita no “depois eu acabo”. Muito mais excêntrico teria sido o grande escritor Victor Hugo, autor do “Corcunda de Notre Dame” e “Os miseráveis”, que se despia e mandava os empregados esconderem suas roupas até que terminasse as tarefas planejadas.
Pois bem, falei bastante do conceito, citei alguns exemplos de procrastinação, mas fugi do problema especular que me atormenta: serei eu um espécime desses? Como responder? Bem, deixe-me pensar e, talvez, mais tarde eu responda…