Daniel Aarão Reis, professor de história contemporânea da UFF escreveu:
Impeachment, golpe e democracia
A narrativa do golpe e as comparações com as crises do período anterior a 1964 não resistem a uma análise crítica. O impeachment é hipótese ancorada na Constituição de 1988 que, a despeito de avanços substanciais, manteve vários aspectos autoritários, entre os quais, o dispositivo altamente arbitrário do impeachment.
As forças politicas conservadoras, hegemônicas, infelizmente acompanhadas pelas esquerdas, não suscitaram o debate sobre o impeachment – medularmente autoritário e antidemocrático, porque atribui a algumas centenas de pessoas o “direito” de depor um presidente eleito por dezenas de milhões de votos. Poderia – e deveria – ter havido uma discussão sobre o plebiscito revocatório, este, sim, um mecanismo democrático de deposição, pelo voto popular, de um mandatário eleito pelo povo. Entretanto, não houve debate sobre o assunto.
Mais tarde, quando Collor foi derrubado por ampla frente política, prevaleceu também o silêncio. Mais um erro – grave. Armou-se um precedente. Em seguida, petistas e outras esquerdas tentaram novamente acionar o impeachment para depor FHC, eleito igualmente por dezenas de milhões de votos. A história agora se repete – o impeachment de Dilma é um atentado à democracia, mas o atentado se faz à sombra da lei, da Constituição, é um atentado legalizado.
Tentar esconder este fato e mergulhar na discussão jurídica é perder de vista que um presidente sofre impeachment por considerações de ordem política – argumentos e contra-argumentos jurídicos sempre serão esgrimidos, mas são folhas de parreira para esconder a vergonha. E a vergonha é que há aí um câncer antidemocrático – o impeachment é este câncer. Uma reforma política democrática deverá extirpar o impeachment da Constituição, substituindo-o pelo procedimento do plebiscito revocatório. Enquanto isto não for conseguido, a sociedade continuará refém de elites políticas e de suas inclinações antidemocráticas.
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Dora Kramer, colunista do Estadão, escreveu nesse domingo, 04, um pequeno enorme detalhe do acordão realizado nos bastidores
Estilo é o homem
Em meio às tratativas para conseguir separar a cassação de Dilma da pena de inabilitação para funções públicas, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), prometeu ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que só viajaria com Temer para a China depois de lido o requerimento de urgência para a proposta de aumento do teto salarial do Poder Judiciário.
No mesmo dia da votação do impeachment, Renan pôs o assunto na pauta do Senado, mas o requerimento não foi lido e mesmo assim ele viajou, deixando Lewandowski no ora veja. Como havia deixado os defensores do impeachment (Michel Temer incluído) horas antes na defesa da anistia parcial a Dilma.