Evaldo Amaro Vieira* apresenta a resenha sobre o livro “Benedicto Vieira – UM TAUBATEANO DE VALOR”, de autoria do desembargador Luiz Augusto de Salles Vieira, filho do personagemCapa reduzida

 

Penso que é mesmo obrigação manter-se atualizado sobre o lugar onde se vive e sobre o tempo de nossa vida. O filósofo norte-americano, George Santayana, dizia que quem não olha para o passado, corre o risco de revivê-lo. O passado muitas vezes não consiste num mar de rosas e até pode abrir-se em forma de tragédia individual ou social.

Tal é o caso do livro recentemente publicado pelo Desembargador Luiz Augusto de Salles Vieira, acerca de seu pai, livro intitulado Benedicto Vieira – Um taubateano de valor (São Paulo: Baraúna, 2016).

Engana-se quem pensar num livro do filho para o pai somente. A obra alude a um profissional, ou melhor, à história de um profissional, à história de Taubaté e à história da sociedade taubateana, filiando-se àquele importante conjunto de escritos referentes à ditadura militar no Brasil (1964-1985), do destaque de Batismo de sangue, de Frei Betto; de Os carbonários, de Alfredo Sirkis; ou mesmo de Falta alguém em Nuremberg, de David Nasser (a propósito da ditadura Vargas (1930-1945).

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Benedicto Vieira está na frente, em pé, com gravata escura

O livro do Desembargador Luiz Augusto de Salles Vieira sobre seu pai, Benedicto Vieira, ganha em lucidez e equilíbrio, porque registra a coragem de poucos, o desprezo e até o desdém de muitos em Taubaté e no Brasil, ao narrar a violação de princípios jurídicos levados em consideração através de séculos em países com mínima civilização.

A exposição da vida de Benedicto Vieira, dura, destemida e honrada, revela inicialmente fortes vestígios dos obstáculos a serem vencidos pelas famílias humildes e seus filhos, não necessariamente pobres, sujeitos às marcas da desigualdade. A pesquisa realizada pelo Autor por três anos e as reflexões desenvolvidas nas páginas do texto, mais várias fotografias da época, concentram-se quase sempre no ambiente restrito e sufocante de uma cidade. Deram explicações evidentes das “razões que levaram a Delegacia Regional de Polícia de Taubaté, os políticos locais e os Ministérios da Aeronáutica e do Exército a eleger Benedito Vieira como alvo durante longos onze anos, ao tempo da ditadura militar”.

Da leitura da obra Benedicto Vieira – Um taubateano de valor acaba-se por aceitar o que diz o autor: “Tudo isso reforça o pensamento de que a detenção, em duas ocasiões, a prisão, a tortura, a perseguição política, o envolvimento em dois inquéritos policiais e o afastamento da gerência do Banco Brasileiro de Descontos S/A, tiveram como causa remota e primária, como esclarecido acima, o seu engajamento em movimento associativo e sindical, considerado como um movimento de esquerda e comunista pelas forças armadas. As razões foram, acima de tudo, ideológicas”.

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Desembargador Luiz Augusto de Salles Vieira, autor do livro 

Ideológicas sim, mas até certo ponto. Na época, como hoje, na maioria das vezes se adere a determinadas palavras de ordem porque se ouviu em qualquer fonte. Outro dia, vi estampada na tela do computador a afirmação de que fulano era “vermelho”. Pensei comigo: só se for de raiva da ignorância. Estudos sérios demonstram quase sempre, em situações como as descritas na obra Benedicto Vieira – Um taubateano de valor, que tais atitudes nascem principalmente do ressentimento e da violência contra bodes expiatórios criados por frustrações individuais ou coletivas. No Brasil de ontem e de hoje, essas atitudes ressentidas ou violentas continuam à flor da pele.

Se, de um lado, o livro se refere à falta de apuração jurídica a respeito dos sofrimentos impostos a Benedicto Vieira, fazendo-nos lembrar que “falta alguém em Nuremberg”; de outro, há na obra abundantes exemplos de solidariedade humana, que vão de Amador Aguiar (fundador do Banco Brasileiro de Descontos) aos advogados Demétrio Ivahy Badaró e Sebastião Monteiro Bonato, e ainda aos irmãos Ito, dentre outros, “que forneceram alimentação para receber quando possível”.

*Evaldo Vieira, professor titular USP/Unicamp, amarovieira@uol.com.br