Kid Morengueira, nosso saudoso Moreira da Silva, teria de reiventar seus sambas de breque durante o Lula 03, como O Rei do Gatilho onde a “a maldade esperava traição” e “o casamento da viúva foi comigo”
A novela que antecedeu a nomeação de Ricardo Lewandowski, ex-ministro do STF, para comandar o ministério da Justiça traz elementos reveladores dos bastidores palacianos de Brasília.
O primeiro item a ser analisado é o próprio presidente Lula. Pouco ou nada resta do Lula 01 e 02 da primeira década do século. Capitão do mato da política capaz de alisar e acariciar amigos, companheiros, autoridades et caterva sempre com um sorriso nos lábios e uma piada pronta de gosto duvidoso a respeito do interlocutor, que sempre acha que está recebendo um tratamento diferenciado. O interlocutor acha que terá sempre esse mesmo tipo de relacionamento. Ledo engano!
Lula é um animal político. Seu faro, seu instinto e sua capacidade de envolver aliados e inimigos em conversas públicas ou conchavos é resultado de décadas de vivência com diferentes atores que vão da elite empresarial ao pião de fábrica, do intelectual pretensioso ao semianalfabeto com quem conversa na mesma língua. Trata-se de uma qualidade que transforma seus interlocutores em cúmplices. Explícitos ou não. Pouco importa. Cúmplices!
Líderes empresariais saiam convencidos de reuniões com Lula que o haviam convencido sobre os rumos do movimento grevista no final dos anos 1970; líderes religiosos que afirmavam que Lula era um homem de fé e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) só teriam a aprender com o sindicalista e seus assessores. Enfim, todos imaginavam que Lula havia assimilado suas (deles) bandeiras.
Lula, Fidel Castro e o indefectível Frei Betto
Com o passar do tempo, todos eles (não conheço exceções) fariam vistas grossas sobre os desvios que norteavam (norteiam?) o dia a dia do Baiano, como era conhecido no meio sindical. Desvios só eram comentados nos grupos mais fechados de companheiros. As conversas eram sempre regadas com cachaças com Cambuci preparadas pelo próprio líder sindical. Era o que autodenominava “clube do mé”.
A cumplicidade sempre falou mais alto, mesmo diante de temas assustadores como o assassinato a tiros do presidente do sindicato dos condutores do ABC, Osvaldo Cruz Júnior na sua sala na sede do sindicato há exatos 30 anos, ou do administrador do Sindicato, Sadao Higuchi, que teria morrido “afogado” na represa localizada nas proximidades de Bragança Paulista em 13 de junho de 1998, em plena campanha eleitoral.
São apenas dois exemplos de episódios que foram deixados de lado porque não havia (?) o que questionar. Faziam parte da paisagem, Assim como os primeiros indícios de corrupção em administrações municipais petistas comprovados com documentos oficiais. O partido já devidamente domesticado homologava e transformava tudo em uma nova normalidade.
Lula sempre afirmou que desconhecia qualquer atividade ilícita, mas nunca abriu mão de seu rígido controle. Através de companheiros que, tal qual o chefe, “nada sabiam”. Quando assumiu a presidência, o partido já dispunha de uma massa crítica de militantes engajados e dispostos a desempenhar qualquer tarefa, mesmo que tivessem de fingir desconhecer. Uma grande escola!
Ao longo do período pré-presidência Lula desenvolveu e pôs em prática um velho método empregado em disputas políticas: nunca admitiu qualquer sombra ou questionamentos sobre seus planos pessoais. Quem o fizesse receberia o tratamento silencioso que acabaria com o afastamento e isolamento dos desafetos. Pelo menos segundo seus próprios critérios. A busca pelo poder era a sua bússola. O resto era o resto.
Um exemplo esclarecedor. O casal Eduardo e Marta Suplicy foi considerado de alto risco, caso continuassem atuando em conjunto. A máquina partidária, incluindo Lula, não tinha qualquer controle. Foi escalado o franco-argentino Luis Favre para seduzir Marta que se encontrava em Paris para dar assistência a irmã profundamente doente que viria a falecer em 2000, durante campanha eleitoral de Marta à prefeitura paulstana. Favre era militante trotsquista, bonito, charmoso, culto, que viveu anos como exilado político em Paris. Sua corrente, O Trabalho, havia se diluído no Partido dos Trabalhadores. Missão dada, missão cumprida. Acabou se casando com Marta depois que o casamento com Eduardo foi desfeito no final dos anos 1990.
Com Lula e Marisa na primeira fila, Marta e Favre se casaram e foram delatados pelo marqueteiro João Santana por que tanto a empresa dele quanto a de Duda Mendonça contrataram Favre a pedido de Marta sem que ele tenha trabalhado
Essa prática digna de um romance soviético é apenas um exemplo dos métodos empregados pela burocracia petista. Princípios éticos não passam de valores burgueses.
Ricardo Lewandowski é um exemplo atual sobre os métodos e valores que norteiam as decisões de Lula et caterva. Em 2006 foi indicado por Lula para assumir uma cadeira do STF depois de passar por cargos de confiança no governo do paulista de Orestes Quércia e na prefeitura de São Bernardo administrado pelo então petista Maurício Soares que em 2000 seria reeleito pelo PSDB. Ele assumiu a presidência do Senado e o processo de impeachment de Dilma Roussef no dia 12 de maio de 2016, logo após o Plenário da Casa decidir pela admissibilidade do pedido.
Assinar o mandado de citação para a presidente Dilma Rousseff foi seu primeiro ato. O então presidente do Senado, Renan Calheiros, passou a condução do processo a Lewandowski em cerimônia com a presença de lideranças partidárias e membros da Comissão Especial de Impeachment. (fonte: Senado Federal)
Foi aposentado compulsoriamente em 2023 quando completou 75 anos. Seu desempenho no STF tem avaliações bastante conflitantes. Mas Lewandowski não se afastou da política do presidente Lula. E acaba de ser anunciado como o futuro ministro da Justiça, no lugar de Flávio Dino escolhido para a cadeira do STF até então ocupada pela ex-ministra Rosa Weber. Resumindo: Dino foi promovido para ser removido da lista de prováveis candidatos à sucessão de Lula.
A primeira-dama Janja está em todos os lances sem ocupar qualquer cargo público
Vale lembrar que Dino é um quadro político militante preparado. Além da carreira jurídica que marcou sua vida no Maranhão, ele foi responsável pela derrota do clã Sarney do governo do estado. Além disso, foi militante do PC do B pelo qual disputou e derrotou a oligarquia sarneysista. Foi eleito senador, mas optou pelo ministério da Justiça. Bom de discurso sempre ponderado, embora contundente, seu nome começou a ser ventilado como possível candidato a sucessor na presidência.
Foi o suficiente para que a máquina petista entrasse em cena. Repetindo: Lula não admite sombras. Logo, Dino teria de aceitar a solução que seria desenhada depois da frustrada tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.
Fumaça e confusão são expertises da máquina petista. O documentário exibido pela Globo News e dirigido pela jornalista Júlia Duailib por ocasião do primeiro aniversário do golpe frustrado é, no mínimo, revelador.
Entre a fumaça e confusão já armada em busca de um sucessor até o nome da primeira dama Janja estava na roda de possíveis candidatos. E de repente, não mais que de repente, Edinho Silva, liderança petista muito próximo do próximo do presidente e prefeito da cidade de Araraquara onde Lula se encontrava no momento dos acontecimentos que marcariam nossa história, aparece no documentário apenas para dar um recado: “decretar” que Janja seria a “autoridade” que teria impedido que Lula assumisse a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para controlar e acabar com a baderna que estava em curso em Brasília no 8 de janeiro de 2023.
Tudo indicava que a declaração do prefeito Edinho Silva seria a versão única e verdadeira sobre o episódio. Porém, ela se choca com a entrevista com o ministro Alexandre de Moraes, o Xandão, à Veja da primeira semana de 2024, que contradiz a informação “oficial” plantada pelo assessor de primeira grandeza no filme de Júlia Duailib. Moraes fala com todas as letras: “O presidente estava conversando com sua equipe sobre uma GLO ou intervenção. O que eu fiz foi relembrá-lo que um momento anterior, na época do presidente Michel Temer, já havia ocorrido uma intervenção específica só na área de segurança do DF e isso poderia ser uma medida, já que seriam apenas forças policiais, sem necessidade de convocação das Forças Armadas“. O próprio Lula pode ter plantado a “notícia” sobre a intervenção de Janja. Tirem suas próprias conclusões. Xandão falava de Paris em 8 de janeiro de 2023. Edinho teria apenas “revelado” a nova versão que só reforça a possibilidade de ter sido o próprio Lula o seu autor. Não seria nenhuma novidade.