Dois pressupostos extremos chamam atenção quando considero o isolamento como tema existencial. Em uma ponta, como trilha sonora de suposto abandono amoroso, ouço Elis Regina sussurrando “eu preciso aprender a ser só”. No extremo oposto a recomendação de Foucault ao revisitar clássicos gregos recomendando o “cuidado de si”. Entre um polo e outro, consulto minha alma sempre atenta a ficar só. É legitimo qualificar os termos: uma coisa é solidão, outra solitude; uma equivale a perder-se na multidão e se anular; outra é qualificar-se como parte do todo, apresentando-se com o próprio eu refinado. Como pêndulos de um relógio imaginário, o trânsito entre um momento e outro pontua entendimentos que vão do negativo ao agradável.
Confesso que tenho dificuldades para explicar minha compulsão ao retiro. Adoro. Por vezes, tenho que me desdobrar em explicações que não fazem o menor sentido àqueles que aristotelicamente repetem que o “o homem é um animal social”. A precisão do conceito de solitude, como corolário da paz interior, reforça isso, pois se sentir bem sozinho dinamiza a sabedoria do viver em sociedade. Só sabe sentir-se sozinho aquele que filtra adequadamente a partilha social. É pela certeza que podemos contar com o grupo – parentes, amigos, vizinhos e até profissionais – que o retiro logra sentido. Dia desses, lendo um artigo do jurista José Magno Siqueira, estremeci ante a premência do ordenamento jurídico afirmando que é exatamente pela inescapável condição do convívio social que se justificam as leis. Entendi, mas achei triste. Triste porque percebo que o repartir experiências, o estar junto, não é natural, ainda que conveniente. Bem-aventurados aqueles que acatam o pertencimento como escolha.
Das insondáveis misérias de minha existência, destaco algumas “manias” exóticas a tantos: viajar sozinho é uma delas. Sabe, o ato de sair implica deslocamento físico e pessoal e em conjunto isso é um desafio ao mesmismo. sinceramente sinto-me muito mais à vontade estando solitário, processando compreensões derivadas de novidades, cenários e fatos diversos. Ir ao cinema sozinho, teatro, musicais ou óperas, é me permitir frenesis insondáveis.
É lógico que aprecio diálogos, observações dimensionadoras de ângulos plurais, mas antes eu preciso destilar meus entendimentos, e isso é um processo pessoal exigente de método que vão além de achismos imediatos. O mesmo, diga-se, de visitas a museus. Perdoem-me: me é insuportável ir acompanhado a exposições de arte, à arquivos e até à loja de antiguidades. Pode parecer exagero, mas ir a restaurante e dividir o prato escolhido me é outro tormento. Aliás, acho isto ruim porque sequer permite duvidar da nossa própria opção. E quando temos que beber o vinho que o acompanhante escolhe?…
Às vezes me pergunto se não há um resíduo de egoísmo em tudo isso, mas me conformo imaginando satisfações na combinação de sabores de sorvetes que traduzem escolhas íntimas. Afora os quase 25 anos em que fui bem-casado, principalmente depois que a viuvez determinou minha vida celibatária, sempre tive dificuldades de dormir com alguém, até mesmo em camas separadas no mesmo quarto; acontece, mas não sem alguma concessão. Por certo, este conjunto de decisões causam perplexidade a tantos que não conseguem imaginar céus no convívio gozado consigo. Eu vejo anjos, ouço sinos, flano, e por vezes me acerto com demônios e análogos afins. Chorão que sou, me detesto quando não resisto e me exponho ao público. Sempre que toco no tema solitude, me vejo autorizado a complementar ideias revelando que não consigo ouvir música cantada sem prestar atenção nas letras. Acho que as mensagens contidas em versos oralizados indicam caminhos e ajudam esclarecer decisões.
Dolores Duran: “Alguém que ponha fim ao meu tormento”
Comecei falando de música e fecho este apanhado de elogio à solitude apresentando um contraste fatal: Dolores Duran exibe a tortura do isolamento dizendo que “a solidão vai acabar comigo/ Ai, eu já nem sei o que faço e o que digo/ Vivendo na esperança de encontrar/ Um dia um amor sem sofrimento/ Vivendo para o sonho de esperar/ Alguém que ponha fim ao meu tormento” e amarra a amargura ancorando em uma esperança desesperadora “Eu quero qualquer coisa verdadeira/ Um amor, uma saudade/ Uma lágrima, um amigo/ Ai, a solidão vai acabar comigo”. Sabe, a tal solidão só não acaba comigo porque existe a solitude que me abriga, briga e obriga pensar nela como lugar ideal.