Como todo Brasil, estou apaixonado pela Bruaca (ou seria por Isabel Teixeira?). Como questão, o clássico dilema intérprete X personagem coçou minha cabeça tão cheia de dúvidas, mas fui adiante: de que Bruaca estamos falando? A primeira teria continuidade na segunda? O que faz a Bruaca de Isabel colocar o Brasil de joelhos?
Para ser algo objetivo, resolvi dar uma olhada nos comentários sobre a edição anterior da novela Pantanal, de 1990, exibida pela TV Manchete. Lembro-me bem do fascínio provocado pela sequência que, escrita por Benedito Ruy Barbosa, paralisou o país. À época, a personagem Bruaca foi vivida por Ângela Leal que revelou em entrevista recente a distância na recepção das duas. Antes, vista com preconceito por incapaz de se redefinir, meio incerta e bobona, no final a Bruaca deixa tudo e segue conduzida por Alcides. Em cartaz agora, o enorme fascínio da Bruaca contrasta, não apenas pela requintada vingança, mas também pela condução feminina da trama. É ela que decide, titubeando sim, mas é dona da cena. A atual dona Maria, sutil, insidiosa, torna-se dona de um falar ambíguo que saí da combinação entre a reprimida e a capaz de se liberar a partir da condição doméstica.
Alcides e Maria Bruaca
A ligeireza do texto é completada pela filmagem que se vale de melhores recursos tecnológicos com zoons e takes espetaculares, com acertos cromáticos e trilha musical impecáveis. Isso só, porém, não explicaria o sucesso geral nem o particular. Isabel Teixeira se encaixa de maneira irretocável na personagem que mesmo isolada do mundo intui a mudança de valores. Tudo nela chama a atenção. Fatores externos como as roupas, o penteado, os trejeitos, olhares, detalhes miúdos são cuidados. Para mim, no entanto, há um pormenor que supera a soma de todos os outros: o andar da Bruaca… Quanta graça… e metaforizo a caminhada da Isabel Bruaca como mudança de rumo da comunicação permitida por novelas. Num universo boiadeiro, onde os homens dariam o tom – como na versão anterior – na nova são as Filós, Irmas, Jumas, Mudas que marcam as cenas. Talvez isto explique por que tantos homens estão acompanhando o enredo.
É comum nos folhetins haver uma série de clichês marcando certos personagens, quase sempre tipos populares. Os conhecidos bordões repontam cá e lá marcando a recepção pública expressa por alguns destaques. No caso de Pantanal, com sagacidade, a nova versão comandada por Bruno Luperi diminui o volume desses apelos e no lugar coloca frases provocativas e maliciosas. A Bruaca é a dona das melhores e até há um registro na internet que marca algumas dessas passagens que sim, são pândegas, mas traduzem a malícia (ver https://www.terra.com.br/amp/story/nos/9-frases-de-maria-bruaca-para-inspirar-as-mulheres,ba9932e33702b0e2cb5f0ba80a5fd742nnvra40n.html)
Maria Bruaca e o mau caráter do marido Tenório
Pensando no impacto do novo Pantanal me veio à cabeça a coincidência do fim da série que se dará dia 7 de outubro. O formato pouco menor, além de promover o Pantanal como lugar a ser decifrado, começa agora a discutir o projeto do agronegócio como solução econômica. O cansaço e noção de mudanças no avanço do latifúndio incita supor que cuidados com meio ambiente sugerem mudanças. Na mesma lógica, a existência incômoda das terras improdutivas e a pressão crescente dos filhos pretos do marido da Bruaca fazem pensar na atualização das pautas sociais que justificam o sucesso da novela.
Família global Teixeira, Chico, Isabel e Renato
Novamente temos a Bruaca como centro de tensões. Não é só por questões de gênero que ela se faz importante, também por ser pivô de questões racistas e de nós que podem se desatar juntos provando que não é só a novela que se renova. O esforço para mudar o rumo da mesma prosa pode desatar junto… Tomara que consigamos. Outubro está aí. Tomara que fim da novela seja o começo de outra fase da novela política brasileira.