Faltam cerca de 180 dias para as eleições no Brasil e as autoridades estão em alerta máximo para conter a proliferação de notícias falsas (fake news). Trata-se de um fenômeno que já interferiu em resultados eleitorais tanto nos EUA quanto na França e, por isso, é visto como ameaça ao regime democrático.
A democracia pode não ser a melhor forma de governo, mas ainda é a mais desejável dentre as que já existiram. Essa ideia foi cunhada pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill e tem uma razão de existir: é através da democracia que conseguirmos materializar no plano prático abstrações como igualdade e liberdade, que são essenciais para uma vida digna.
O risco para a democracia brasileira pode ser medido por números. A onda mais recente de fake news ocorreu a partir do assassinato da vereadora carioca Marielle. Pesquisa do Datafolha aponta que cerca de 60% da população carioca recebeu notícia falsa a respeito dela, como, por exemplo, a que dizia que Marielle teria envolvimento com facção criminosa e que teria sido casada com um traficante. A proliferação de notícias falsas foi tão intensa que a Justiça do RJ determinou a retirada do Youtube de 16 vídeos com conteúdos falsos sobre a vereadora executada.
Desembargadora repassou notícias falsas sobre Marielle
A neuropsicóloga Liane Orsi explica que a notícia falsa penetra na mente e gera ansiedade, acionando mecanismo instintivos e rebaixando a consciência, o que justificaria o comportamento impulsivo de passar o conteúdo falso adiante.
A possibilidade de identificação da mentira deliberada fica ainda mais difícil se o conteúdo falso tiver sido compartilhado por uma pessoa da confiança do receptor. A tendência é que a credibilidade do emissor sirva como uma “chancela” do falso, transportando-o para o campo da verdade.
O assunto é tão sensível que relatores especiais da Organização das Nações Unidas para a liberdade de expressão e opinião elevaram as fakes news e, consequentemente, a desinformação a nível de preocupação global. O comunicado da ONU alerta, porém, que os esforços para combater esta prática podem acarretar em censura, mediante a supressão de pensamento críticos ao regime sobre o qual viva o emissor da mensagem, interferindo no direito da pessoa à informação.
O Facebook abriga 120 milhões de contas de brasileiros. Se considerarmos que as notícias falsas manipulem a mente de apenas 10% dos usuários da rede social, são nada menos que 12 milhões de votos “errados”. Vale lembrar que a diferença de votos entre Dilma Rousseff e Aécio Neves no segundo turno de 2014 foi de cerca de 3,5 milhões de votos.
Dilma Roussef e Aécio Neves em debate na campanha de 2014
Prevendo esse tipo de problema, a Justiça Eleitoral se antecipou e criou um Conselho Consultivo, formado por membros da Polícia Federal, da Abin, do Ministério Público, do Exército e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Vale lembrar que a reforma eleitoral de 2017 tipificou como crime a guerrilha virtual. Quem contratar pessoas com a finalidade de ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação na internet, está sujeito a punição de detenção de 2 a 4 anos e multa que varia de R$ 15 mil a R$ 50mil.
Ao mesmo tempo em que a Justiça Eleitoral tenta conter o fake news, a sociedade civil também se mobiliza. No dia 1º de abril de 2018, será lançada a Rede da Verdade. Trata-se de uma aliança de veículos de comunicação, entidades acadêmicas, empresas de tecnologias e algumas das principais organizações da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), visando combater as falsidades na internet durante as eleições. Essa rede terá recursos da área de Inteligência artificial e equipe para a checagem das informações, tudo para combater a desinformação e a manipulação.
Além de ameaçar a democracia distorcendo resultados eleitorais, a proliferação de fake news gera um resultado ainda mais perverso: a geração Z, aquela nascida a partir de 1999, tem dificuldade para acreditar no que é verdadeiro. É uma geração que tem dificuldade para acreditar naquilo que é verdadeiro, justamente pela proliferação de mentiras. A desconfiança constante mina a credibilidade de quem trabalha pela verdade, seja homem público, veículo de comunicação, movimento social ou entidade de classe. Nesse cenário, nunca os jornalistas foram tão importantes, embora as notícias veiculadas pela mídia tradicional sejam cada vez mais contestadas.
Diante de um cenário tão complexo, o caminho para efetivar o princípio da soberania popular e assegurar o regime democrático é a sociedade jamais esquecer dos princípios e direitos fundamentais, que são pilares do status civilizatório.
MARCOS LIMÃO e GUILHERME VIANNA são advogados em Taubaté/SP