RESENHA COMPROMETIDA COM NOVO LIVRO DE JOSÉ EUGÊNIO GUISARD FERRAZ

Sempre achei resenha um gênero difícil, muito difícil aliás. Não apenas pelo conceito que implica contextualização, síntese, exame formal e interpretação, mas sobretudo pela exigência do domínio temático e demanda de olhar amplo sobre a circunstância pautada. Na mesma senda, sou dos que acreditam que livros de Memórias são igualmente complexos e desafiantes, tanto pela necessidade de consideração do estilo narrativo como por traduzir o ambiente da produção e as motivações autorais. Pois bem, somando todos esses pressupostos, no caso, ainda me vi também aturdido por mais uma variável feiticeira: conheço, sou amigo e admirador do signatário José Eugênio Guisard Ferraz, dono do “Memórias de um menino de Taubaté”.

Confesso que o mero enunciado do título me enterneceu ao ponto de avisar que as linhas seguintes se comprometem com o reconhecimento de uma história que é sim pessoal, mas também de muita gente, inclusive minha. E nem faltam lances que remetem à trajetória nacional, na medida em que a vivência pessoal se explica na atualização do país. Os nascidos desde o fim da Segunda Guerra tiveram suas experiências matizadas pelos novos tempos tensionados pela determinação da busca de progresso implicado no espaço capitalista moderno.

José Eugênio saiu do Estadão e entrou direto no ITA sem fazer cursinho 

Não bastassem os senões impeditivos de uma reflexão temperada, me vi obrigado a personalizar minha análise comprometendo a neutralidade desejada de quem cumpre o dever de ligação entre as intenções autorais e a recepção ampla da obra. E nesse sentido, o desafio começa pela capa sugestiva – um pôr do sol (ou seria nascente?) sobre uma praia ardente, entrecortada por folha de palmeira e um pedaço de terra. O convite para as demais páginas termina com significativa síntese assinada por José Paulo Pereira. Tudo neste livro é bem dosado, distribuído em uma turnê detalhada em cerca de 100 itens.

Procedida a leitura fácil das 280 páginas, restou cuidados para não cair no elogio imediato. Não faltaram motivos enredantes: a lógica expositiva obediente à linearidade cronológica; a sucessão de eventos costurando fatores íntimos, pessoais; a evolução da idade e os degraus de uma vida profissional empolgante. Dividido em 5 partes, os escritos se desdobram dos “Meus anos de formação” para “Meu início na profissão” e de “Os anos na iniciativa privada” caminha para “A aposentadoria e muitas viagens” até, por fim, desaguar em notas sobre “Novas viagens e o retorno”. Trata-se de um giro completo, de um círculo que arredonda o propalado eterno retorno. Tal ave que depois do voo cumprido volta ao ninho e presta conta de seu esforço, é em Taubaté que o livro ganha termo num intrigante aqui e agora. Há algo de emocionante nisto. De épico também.

Se houvesse que distinguir alguns aspectos da leitura destas Memórias diria que a trança entre a vida pessoal – do menino de Taubaté – com uma carreira exemplar e empolgante, ganha lustro na medida em que, mesmo girando o mundo em viagens profissionais e de lazer, jamais se afastou de suas raízes e dos valores cultivados desde a infância. Há outro lance marcante nesse périplo: o fato de mostrar sua aventura sempre ligada a algum coletivo, seja familiar, de grupo de amigos ou de associações. E os espaços percorridos são descritos com afetos e recheados de detalhes pessoalizados. E não escapam dificuldades e perdas, ainda que o sucesso seja solar.

Diz o autor que tudo se deveu a um pedido da neta Manu que teria solicitado que ele contasse sua vida. Além da remessa afetiva, porém, o farto material ilustrativo trai a premissa. Como se aguardasse um gatilho, do começo ao fim, o maduro texto revela uma intenção que se traduz na jornada de alguém que, sendo de Taubaté, cumpriu a sina de um bandeirante moderno, desbravador de novas frentes. Desde o começo, os itinerários – primeiro pelas redondezas de sua casa e depois ampliando-se mundo afora – são pontilhados de nomes e pessoas significativas que vão de amigos a personagens de figuração nacional. Há referência a muitos prêmios, todos justificados numa luta incessante e plena de discernimentos.

Títulos e caricaturas bem humoradas masrcaram sua carreira profissional

Compondo uma trilogia iniciada com a saga familiar (“O sol da manhã”) emendando atividades esportivas, algo fundamental em sua biografia (“Mergulhos e braçadas”), o presente texto retoma a rota do arco perfeito que, contudo, faz perguntar do próximo livro, algo na base do “E agora José?”. O bom do que já temos é que juntos os resultados são amiudados em informações sobre o gosto pelos esportes, pelas artes e colecionismo, por apreço científico, isso tudo mesclado com incidentes de viagens, fatos fortuitos, reverências familiares, preocupação com os filhos… E nem faltam sutilezas explicativas de discreto posicionamento político e firmeza de valores.

Muito mais poderia ser dito em favor deste livro, mas nada melhor do que recomendar a leitura geral e a relativização de pareceres de alguém que agradece a existência de um testemunho que ao falar de si ecoa o valor de muitos.