Jornalista José Nêumanne* revela as razões que orientaram os votos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Lewandowski a favor do ex-ministro José Dirceu
Nossos queridos leitores vão ter um pouco de paciência para que eu conte uma história antiga que explica esse episódio de ignomínia protagonizado por três ilustres cavaleiros da toga preta. Essa história começa em março de 2015 quando Dias Toffoli pediu para mudar da primeira para a segunda turma para preencher a vaga aberta com a aposentadoria de Joaquim Barbosa cujo substituto demorou a ser escolhido pela então presidente Dilma Rousseff. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Antonio Dias Toffoli afirmou naquela ocasião que decidiu pedir transferência da Primeira para a Segunda Turma da Corte a fim de atender a um “apelo” de outros ministros.
José Dirceu quando foi preso em 03 de agosto de 2015
Autorizada pelo então presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, a transferência foi proposta pelo presidente da turma, Gilmar Mendes, e pelo relator da Lava Jato no STF, Teori Zavascki, com o objetivo de preencher a vaga aberta na turma responsável pelo julgamento das ações penais da Operação Lava Jato, que investiga desvio de recursos na Petrobras. Na ocasião, muito se estranhou o encontro mantido pelo novo membro com a chefe do governo. Mas ele explicou que não foi tratar da Lava Jato, mas da proposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual era à época presidente, de implantar um documento único de identidade. Quem quis acreditar acreditou. Foi o primeiro passo da tomada da turma de cinco ministros pelos chamados garantistas, que defendem a perpetuação dos recursos sem fim dos criminosos que julgam.
O passo seguinte deu-se em setembro de 2016, quando Cármen Lúcia assumiu a presidência do Supremo e foi substituída na turma por seu antecessor, Ricardo Lewandowski. E, por fim, veio a fatalidade da morte do relator Zavascki na queda de um jatinho no mar de Paraty no litoral fluminense em 19 de janeiro passado. Então, numa espécie de roque de xadrez, jogado pelo algoritmo do computador da Corte, a presidente Cármen Lúcia conduziu a transferência de Luiz Edson Fachin da primeira para a segunda turma, deixando-a com a composição atual.
Em que isso prejudicou a força-tarefa da Lava Jato nos julgamentos recentes da turma?
No velório de Zavascki em Porto Alegre, com o coro puxado por Cármen Lúcia, os dez remanescentes da corte entoaram loas e lamentos pela morte do relator. No entanto, eu gostaria de lembrar que, quando do julgamento de Eduardo Cunha, há um ano, Zavascki deu liminar favorável e imediatamente passou-a para julgamento no plenário, não na turma. Até os gansos do lago do Palácio do Planalto tinham ouvido falar que o tal Caranguejo da lista da Odebrecht, do Janot e do Janot e do Fachin tinha como favas contadas sua absolvição na segunda turma. A transferência para o plenário e o clamor popular produziu o resultado oposto e ele terminou sendo afastado por unanimidade.
Hoje se sabe que ele estava bem informado, mas foi driblado pela malícia de Zavascki. Fachin é o único ministro que tem sido leal à memória do antecessor e tenho aqui, não apenas o elogiado, mas também confessado meu arrependimento pelo combate que fiz ao microfone e nas páginas de jornais quando de sua escolha por Dilma. Meu amigo José Paulo Cavalcanti Filho estava certo quando apostava em sua atuação digna e eu me enganei. Mas até agora não entendi porque ele não recorreu, possivelmente até com ajuda da Cármen Lúcia, ao mesmo expediente usado pelo antecessor: recorrer ao plenário para evitar ficar bancando o João bobo de linha de passe de treino recreativo de time de futebol. Afinal de contas, até meu neto de três anos era capaz de apostar cegamente na desmoralização de seus relatórios corretos nos pedidos de habeas corpus de João Cláudio Genu, José Carlos Bumlai e agora de Zé Dirceu.
E por que isso aconteceu?
Qualquer brasileiro que já tenha lido alguma vez um jornal ou acompanhado um noticiário de rádio e televisão esperava isso. Basta acompanhar o currículo de cada um dos três votos a favor de Zé Dirceu, na terça. Vamos pela ordem de votação.
Ministros Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes
Dias Toffoli nunca foi aprovado num concurso de juiz na vida e chegou ao órgão máximo da carreira de advogado servindo fielmente a Lula e ao PT e tomando esporro de Dilma. Foi nomeado para atender aos interesses do Partido dos Trabalhadores e votou fielmente a favor de seus companheiros desde os julgamentos dos embargos no mensalão. Sua namorada ou coisa que o valha era advogada de Dirceu e, ainda assim, nenhuma vez ele se considerou suspeito a dar seu voto. A incapacidade demonstrada nos concursos para a magistratura é proporcional à indecência de votar a favor dos antigos patrões. Em agosto de 2016, o empreiteiro Leo Pinheiro, da UTC, teve revelada delação premiada à força tarefa da Lava Jato em que o cita. Um grande movimento corporativo entre os colegas evitou que a delação fosse autorizada e Leo Pinheiro ficou no limbo até ela voltar a ser negociada e ninguém nunca mais falou em Dias Toffoli. Um dos colegas que mais se empenharam em defendê-lo foi Gilmar Mendes, com quem passou a formar uma dupla inseparável. Mas deste falaremos depois.
Antes precisamos lembrar que, na condição de revisor do mensalão e depois como presidente da Corte, Ricardo Lewandowski agiu como um fiel e feroz advogado de defesa do presidente que o nomeou para o cargo promovendo-o do Tribunal de Justiça de São Paulo para o qual havia sido nomeado pelo notório Orestes Quércia para abrir vaga para um amigo do ex-governador na disputa de legenda para disputar cargo eletivo pelo PMDB. Indicado por Marisa Letícia, amigo de Lula, esse professor de Direito chegou ao cúmulo absurdo de fatiar, como Juvenal, o artigo 52 da Constituição para evitar que a presidente deposta no impeachment, Dilma Rousseff, perdesse os direitos políticos e com isso a possibilidade de ser merendeira de escola, como ele mesmo disse.
Chegamos, enfim, a Gilmar Mendes, nomeado para a cadeira no STF pelo tucano Fernando Henrique Cardoso. Durante o mensalão, ganhou fama de combatente da causa e chegou a ser acusado de chefe de jagunços no Mato Grosso pelo então relator e depois presidente Joaquim Barbosa. Sua súbita guinada e a ferocidade com que passou a combater a lava-jato, coincide, digamos assim, como diria seu amigo Temer, com a entrada na lista dos suspeitos de corrupção os tucanos Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin. Assim como Dias Toffoli, Gilmar Mendes não faz a menor questão de se considerar suspeito de nada. Tem um negócio particular, uma instituição de ensino, que o leva a abandonar julgamentos importantes no Brasil para cumprir tarefas de empresário privado no exterior. Chegou a pegar carona com Michel Temer, vice de Dilma e, portanto, réu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o enterro do socialista português Mário Soares, em Lisboa, no qual, aliás, não deu o ar de sua graça. Não é fofo? Amiúde frequenta jantares com o réu da corte que preside como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Restam na turma o decano Celso de Mello e o relator Fachin. Daí, o resultado: três a dois.
Ex-ministro José Dirceu no momento de sua saída da cadeia, na terça
*Jornalista, poeta e escritor